Um assassino de uma cura
Um bóton (ca. 1900) anunciando o Liquozone, anteriormente Powley’s Liquified [sic] Ozone. Liquozone foi lançado como uma defesa contra doenças relacionadas a germes, mas o produto era uma fraude de uma fraude. Como o jornalista Samuel Hopkins Adams observou em sua série ‘The Great American Fraud’ (1905), de Collier, “o oxigênio líquido não existe acima de uma temperatura de 229 graus abaixo de zero. Uma colher congelaria a língua, os dentes e a garganta de um homem antes que ele tivesse tempo de engolir.”
Por mais de um século, a terapia de ozônio tem sido uma fonte de falsas esperanças e ganhos ilícitos dos desonestos.
Em 1903, Nikola Tesla estava ficando desesperado. O prodigioso inventor havia atraído o multimilionário JP Morgan para investir em energia elétrica sem fio, mas até agora as tentativas de Tesla de criar a tecnologia se mostraram infrutíferas.
Quando Morgan se recusou a continuar apoiando o projeto, Tesla implorou ao banqueiro que reconsiderasse:
Eu nunca tentei, Sr. Morgan, dizer-lhe nem um centésimo do que pode ser prontamente realizado pelo uso de certos princípios que descobri. Se você imaginar que encontrei a pedra dos filósofos, não estará longe da verdade.
A resposta de Morgan foi simples: não.
Tesla, com sua credibilidade manchada por sua iniciativa hesitante, precisava restaurar sua reputação e gerar dinheiro. Ele admitiu isso para Morgan: “É absolutamente imperativo para mim lançar algo comercial sem demora”. Então Tesla se voltou para outra de suas invenções. Em 1896, ele havia patenteado o primeiro gerador portátil de ozônio nos Estados Unidos. Após a rejeição de Morgan, o cientista sem dinheiro registrou a Tesla Ozone Company, lançando seus dispositivos como uma maneira de limpar o ar em interiores.
No final do século XIX, moradores da cidade cada vez mais se preocupavam com a “fumaça do mal”, que era produzida pela queima de vastas quantidades de carvão e que se acredita causar doenças. Durante esse tempo, a poluição – uma palavra previamente reservada por Noah Webster para atos carnais “impuros”, tal como emissões noturnas – passou a significar a sujeira humana do ar e da água. Os urbanos pouco podiam fazer sobre o ar sujo fora de suas casas, mas talvez pudessem respirar mais facilmente dentro de casa.
Na verdade, as máquinas de Tesla encheram os quartos de veneno: o ozônio na atmosfera superior fornece um importante escudo contra a luz ultravioleta do sol, mas produza na sua sala e ele prejudicará você.
Hoje, o FDA [Food and Drug Administration; Administração de Alimentos e Medicamentos, em protuguês] declara que o ozônio é um gás tóxico sem fins terapêuticos conhecidos; geradores de ozônio foram aprovados apenas para esterilizar água e equipamentos. Mesmo assim, mercadores inescrupulosos vendem ozônio como uma cura para o câncer e a AIDS. Uma pesquisa na Internet sobre a “terapia do ozônio” mostra que o uso do ozônio está vivo e bem – em purificadores de ar, em pomadas tópicas e em gás soprado no reto.
Como o ozônio, conhecido por ser tóxico, desenvolveu em algum momento uma reputação de ser saudável?
Antes que os humanos descobrissem o ozônio, eles o sentiram. O cientista germano-suíço Christian Friedrich Schönbein notou um odor distinto depois de passar uma corrente elétrica através da água. Em 1840, ele sugeriu que a eletricidade estava criando uma nova substância, que ele apelidou de ozônio – de ozein , em grego, de “cheirar”. (Schönbein estava certo: quando carregado com eletricidade, o oxigênio forma uma molécula instável de três átomos de oxigênio. Essa molécula, o ozônio, também é produzida quando um raio atinge o ar, criando o mesmo cheiro detectado pelo Schönbein no laboratório.)
Desde o início, o ozônio seduziu a imaginação de profissionais e empresários da área médica. Por um lado, cheira a “limpeza”. Quando as gotículas de água se quebram no ar – como durante uma tempestade com raios – o ozônio é criado junto com um cheiro “fresco” associado à chuva.
O cheiro do ozônio despertou interesse em suas propriedades purificadoras, mesmo quando experimentos revelaram seus efeitos nocivos. Em 1874, o químico James Dewar e um colega relataram que, após a exposição ao ar ozonizado, as rãs se tornavam letárgicas, as aves ofegavam, e o sangue dos coelhos perdia oxigênio. Um entrevistado na Nature , apesar de reconhecer que os experimentos de Dewar revelaram um risco de superexposição, continuou a endossar o uso do ozônio nos hospitais, baseado na crença tradicional de que o raio – e, portanto, o ozônio – purificaria o ar. Além disso, alguns entusiastas do ozônio acreditavam (e ainda acreditam) que a molécula pode fornecer melhor ao corpo o oxigênio necessário porque é composto por três átomos de oxigênio, em vez dos dois habituais.
No entanto, até mesmo o descobridor do ozônio reconheceu seus efeitos nocivos. Schönbein relatou que a inalação de ozônio pode causar dores no peito e dificuldade para respirar. Ratos submetidos a uma atmosfera de ozônio morreram.
A ozonoterapia, como foi descrito pelo pioneiro radiologista armênio-americano Mihran Krikor Kassabian, em Röntgen Rays and Electro-therapeutics (1907). Kassabian escreve que a terapia é de “valor primordial, onde sprays ou vapores medicados não podem alcançar a parte por outros meios”. (Fonte: Instituto de História da Ciência)
No entanto, a aura saudável do ozônio persistiu. Em 1911, um ano após a fundação da Tesla Ozone Company, um artigo no Proceedings of the Royal Society of London B maravilhou-se de que os efeitos saudáveis do ozônio “tenham, por mera interação, se tornado parte integrante da crença comum; e, no entanto, a evidência fisiológica exata em favor de seus bons efeitos tem sido quase totalmente insuficientes.” Os autores descobriram que as únicas consequências claras do ozônio são os danos pulmonares e a morte. No entanto, eles ainda aceitavam no potencial positivo do ozônio, especulando que os efeitos benéficos da molécula funcionavam através do olfato.
Havia um sopro de verdade nas conjeturas que rodeavam o ozônio; sua estrutura de três átomos de oxigênio é instável e, à medida que se decompõe, remove os elétrons das paredes celulares e destrói o DNA da célula. Essa propriedade destrutiva torna o ozônio útil para desinfetar a água e, em alguns casos, ferramentas dentárias e médicas. Mas o caos que o ozônio causa às células bacterianas também se aplica ao tecido humano, tornando-o perigoso para a pele em quantidades suficientes para, digamos, limpar as feridas.
Durante a Primeira Guerra Mundial, enfermeiros e médicos usaram o ozônio exatamente para esse fim. A comunidade médica parecia disposta a tentar uma série de métodos de desinfecção para tratar o crescente número de soldados feridos que enchiam hospitais. Médicos do Hospital Militar da Rainha Alexandra, em Londres, usaram o ozônio para tratar feridas e abcessos, aplicando o gás diretamente a ferimentos por até 15 minutos ou até que a carne estivesse “brilhante”.
O Departamento Médico do Exército dos EUA incluiu o ozônio como um “método principal” para desinfetar feridas de guerra em sua história cirúrgica da Primeira Guerra Mundial, e pelo menos um manual de enfermagem da época referia-se a um método alemão de limpeza com ozônio da carne ferida. Mas uma revisão das técnicas cirúrgicas que o Exército dos EUA produziu depois da guerra enfatizou outras técnicas de saneantes, como anti-sépticos com hipoclorito de sódio.
De fato, a irrigação de feridas com anti-sépticos, que se tornaram populares após a Primeira Guerra Mundial, pode ter diminuído a popularidade do ozônio. Os manuais médicos começaram a abordar a terapia do ozônio com ceticismo. Um manual de enfermagem de 1919 refere-se a “falácias populares” sobre o ozônio, sugerindo que seus efeitos benéficos eram menos certos do que seus efeitos venenosos. Na década de 1950, o FDA começou a apreender geradores de ozônio.
Mas os geradores de ozônio nunca desapareceram completamente. E a promessa do ozônio evoluiu para corresponder às reivindicações dos charlatães modernos. Com a infinidade de outros desinfetantes baratos e eficazes no mercado, os vendedores de ozônio estão menos inclinados a enfatizar as qualidades higienizantes de seus produtos. Cura da infertilidade, HIV-AIDS e câncer é o novo campo. Essa metamorfose é tanto resultado do desespero humano quanto do conhecimento de marketing.
Sites que vendem produtos de ozônio quase invariavelmente usam a história para enfatizar sua credibilidade, destacando o envolvimento de Tesla e o uso medicinal do ozônio durante a Primeira Guerra Mundial. Esses sites frequentemente imitam citações acadêmicas incluindo outros links de sites pró-ozônio, criando emaranhados de citações cibernéticas que levam a lugar nenhum.
Os fornecedores equilibram essas tentativas de credibilidade científica com generosas doses de imprecisão. Por exemplo, um site promete “influenciar as membranas celulares e equilibrar os níveis de produtos de peroxidação lipídica”. Essa sequência de palavras pode soar bastante científica, mas é apenas outra maneira de descrever a capacidade do ozônio de infiltrar-se indiscriminadamente nas membranas celulares e matar células – um efeito dificilmente desejável.
O jargão complicado é combinado com a simplicidade sedutora do ozônio – um composto químico do leque do ensino médio. É uma combinação difícil de resistir, já que os compradores são mais atraídos pelo que eles acham que entendem.
Em 2010, a FDA confiscou 77 geradores de ozônio na Califórnia que seriam vendidos como dispositivos médicos por um total aproximado de US$ 80.000. Embora a FDA não colete dados sobre quem compra os dispositivos, evidências sugerem que alguns médicos da medicina alternativa compram geradores de ozônio para suas clínicas, cobrando centenas ou milhares de dólares dos pacientes pela promessa de cura. Nos casos que atraíram a atenção da mídia, os pacientes morreram após receberem terapia com ozônio, em vez de outros tratamentos mais padronizados. Em um caso de 2015, dois médicos homeopatas de Las Vegas supostamente usaram geradores de ozônio para encher uma seringa com solução ozonizada e injetá-la em um paciente, que morreu no processo. Os médicos foram acusados de assassinato em segundo grau e foram condenados a um mínimo de 25 anos de prisão.
Na maioria das vezes, as respostas federais à terapia de ozônio foram silenciadas. A FDA não enviou uma carta de advertência a um fabricante de geradores desde 2012. A Federal Trade Commission (FTC), que tem jurisdição sobre alegações de propaganda enganosa, trouxe sua mais recente ação relacionada ao ozônio em 2000 contra um fabricante de geradores de ozônio sediado no Tennessee. O caso chegou a cerca de US$ 1,5 milhão e impediu o fabricante de fazer futuras alegações sobre a capacidade dos dispositivos de purificar o ar. “É principalmente uma questão de recursos para nós”, disse Richard Cleland, diretor assistente da Divisão de Práticas de Publicidade da FTC. Incapaz de perseguir todas as alegações falsas de publicidade feitas, a FTC tem que avaliar os riscos de saúde e monetários apresentados por um anúncio antes de prosseguir com um caso. Cleland acredita que os anúncios de ozônio estão visando um público relativamente pequeno de entusiastas da homeopatia. “Não tenho certeza de quanto as vendas são para essas empresas”, diz ele. Em suma, o FTC tem mais o que fazer.
Tesla, embora não seja um showman mesquinho, provavelmente ficaria surpreso em saber que os vendedores de ozônio de hoje usam seu breve envolvimento como um fator de legitimidade. Quando se trata de seus geradores de ozônio, Tesla parecia estar livre de ilusões de grandeza. O ozônio não é mencionado em sua autobiografia My Inventions .
Tesla disse a Morgan que ele criaria uma pedra filosofal de sua tecnologia sem fio – uma fonte infinita de riqueza. Mas ele pode ter subestimado o ozônio. Tornou-se seu próprio tipo de pedra filosofal. Através de grandes promessas e mística química, a terapia de ozônio continua a transmutar uma substância básica em ouro.
Texto escrito por Natalie Jacewicz.
Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( luisbrudna@gmail.com ) do original ‘A Killer of a Cure’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas.
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