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Gelo Selvagem

baseball na neve
Soldados da Guarda Costeira dos EUA do quebra-gelo Northwind jogam beisebol no congelado Mar de Bering em 1953. (Fonte: Library of Congress)

No espaço ninguém pode ouvir o grito do gelo!* Por mais de 100 anos os cientistas têm descoberto e criado gelos exóticos e bizarros. Gelos que podem até queimar um buraco em você!

Uma história sobre o gelo pode parecer fora do lugar na edição de verão da Chemical Heritage, mas hoje vamos abraçar essa loucura. Esta é uma história sobre o gelo estranho – gelo que queima, gelo que afunda em vez de flutuar, gelo literalmente fora deste mundo. Então, se você tem uma bebida gelada na mão, dê uma olhada nos cubos em seu copo e deixe sua imaginação vagar, porque este é um lado do gelo que você nunca viu.

O gelo comum que você encontra em cubos de gelo – chamado gelo Ih , ou “gelo um-h” – é tecnicamente um mineral, uma vez que é inorgânico e tem uma estrutura cristalina regular. Especificamente, suas moléculas se organizam em uma rede de minúsculos hexágonos, uma simetria de seis eixos que, por fim, é subjacente à forma dos flocos de neve. Praticamente todo o gelo na Terra é de gelo Ih, e é uma coisa boa também! Seus hexágonos espaçosos o tornam menos denso que a água líquida; por isso flutua em lagos e estuários e, na verdade, isola abaixo criaturas aquáticas frágeis, protegendo-as do vento e do frio. Sem gelo Ih vida como a conhecemos não existiria.

Mas falar sobre gelo e mencionar somente o gelo Ih é como falar sobre o chocolate e mencionar somente o Hershey. Os gelos exóticos ainda são feitos de H2O, é claro, mas as moléculas individuais se libertam da camisa de força hexagonal e remodelam. Muitos sólidos podem sofrer um rearranjo similar. Se você já abriu um antigo beijo da marca Hershey e encontrou um cone marrom e esbranquiçado dentro da embalagem, viu o chocolate fazer exatamente isso. (Durante essa “floração do chocolate” as moléculas de cacau se comprimem, aumentando a densidade do chocolate e empurrando a gordura para a superfície.) Mas poucos sólidos podem formar tantas “fases” distintas quanto o gelo.

Os cientistas criam diferentes fases de gelo submetendo uma pequena amostra à pressões monstruosamente altas, milhões de vezes mais altas que a pressão atmosférica. E com pressões tão altas, o gelo pode permanecer sólido a temperaturas de milhares de graus – um verdadeiro gelo quente. Se você pudesse de alguma forma colocar pedaços desses gelos em um copo de água líquida, eles vaporizariam. (Imagine os truques em festas.) Em um nível molecular, a alta pressão deforma as ligações hexagonais, forçando as moléculas de H2O ficarem como losangos, tetrágonos e outras geometrias alternativas. A alta pressão também pode forçar as moléculas de H2O a se espremerem nos orifícios dos centros dessas formas, prendendo-as como insetos em minúsculas gaiolas. Essa ação aumenta a densidade e torna esses gelos pesados ​​o suficiente para afundar na água. Em pressões super altas, alguns químicos prevêem que o gelo se transforma em metal.

Os cientistas criaram os primeiros gelos exóticos, gelo II e gelo III, por volta de 1900; a lista agora se estende até o gelo XV, descoberto em 2009. A criação desses gelos é mais que um exercício acadêmico. As moléculas de gelo são mantidas juntas pelas mesmas ligações de hidrogênio que, entre outras coisas, mantêm as fitas de DNA juntas; então formar novos gelos ajuda a sondar a natureza desta ligação. Além do mais, enquanto gelo Ih domina a biosfera, outros gelos existem naturalmente. Um gelo estruturalmente semelhante aos diamantes, gelo Ic , provavelmente existe na atmosfera superior. Os interiores densos e quentes de Netuno e Urano provavelmente contêm pedaços de gelos não hexagonais, assim como os exoplanetas em volta de estrelas distantes, uma consideração potencialmente importante à medida que procuramos vida além do nosso Sistema Solar.

No universo em geral, no entanto, os gelos I a XV são vastamente superpovoados pelo chamado gelo amorfo, gelo cujas moléculas se organizam aleatoriamente, sem qualquer estrutura cristalina. Formas de gelo amorfo se formam no congelamento rápido no espaço profundo. As pepitas microscópicas desse gelo também tendem a parecer amorfas, já que não há moléculas suficientes para se manterem juntas em um cristal comum.

Essa transição do gelo amorfo para o cristal de gelo intrigou por muito tempo os cientistas, e alguns deles até tentaram determinar exatamente quantas moléculas são necessárias para formar um cristal de gelo genuíno. Isso pode parecer uma pergunta sem resposta – como perguntar em que ponto um homem perdendo os cabelos, um a um, fica careca. Mas acredite ou não, uma experiência no outono passado na Alemanha determinou a resposta.

O experimento envolveu a adição lenta de moléculas de H2O a um núcleo de átomos de sódio e a sondagem de quais comprimentos de onda de luz infravermelha eles absorveram. O gelo amorfo apresentou um pico de absorção em um determinado comprimento de onda; o cristal de gelo tinha um pico a um comprimento de onda ligeiramente maior. A mudança de um para o outro ocorreu de maneira surpreendentemente rápida. Abaixo de 250 moléculas, o pico amorfo dominou. Mas em 275 moléculas, o pico de comprimento de onda do cristal começou a surgir à medida que um cristal rudimentar tomava forma. Por 475 moléculas, esse pico sozinho dominou. Então, dependendo de onde você traçou o limite, apenas 0,000000000000000000008 gramas de água “contam” como cristal de gelo.

Isso é muito menor, é claro, do que até mesmo os pedaços pequenos ainda restantes no seu copo. No entanto, eles logo atravessarão esse limite e desaparecerão da existência. A meia-noite soará, e todas essas fantasias de gelo em chamas, gelo que afunda e gelo metálico vão evaporar. Pelo menos até os químicos do gelo descubram uma nova maravilhosa manifestação.

*Nota do tradutor: A expressão ´Ice scream’ pode ser traduzida como gelo gritar. Mas é também uma brincadeira com a sonoridade da palavra ‘ice cream’, traduzida como sorvete.

Texto escrito por Sam Kean.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( [email protected] ) do original ‘Wild Ice’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas.

Original (English) content from Science History Institute (https://www.sciencehistory.org/). Content translated with permission, but portuguese text not reviewed by the original author. Please do not distribute beyond this site without permission. [[Conteúdo original (inglês) do Science History Institute (https://www.sciencehistory.org/) . Conteúdo traduzido com permissão, mas o texto em português não foi revisado pelo autor do original. Por favor, não distribua o conteúdo sem permissão.]]

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Além da Primavera Silenciosa: uma história alternativa do DDT

comercial para o DDT
Um anúncio belga para o inseticida DDT, Insectoline. (Fonte: Science History Institute)

Como historiadora Elena Conis buscou uma compreensão mais clara de um dos produtos químicos mais infames do mundo, ela descobriu por que nossas histórias muitas vezes entram em conflito com os fatos.

No final da Segunda Guerra Mundial, Irma Materi deixou Seattle para a Coreia para se juntar ao marido, Joe, um coronel do exército. O casal e seu novo bebê se mudaram para uma casa de estuque branco com um telhado vermelho – e dezenas de cantos e recantos para os insetos se esconderem. Felizmente, Materi havia empacotado uma coisa para resolver o problema: um recipiente em forma de granada contendo o novo inseticida DDT, que ela borrifava em prateleiras altas, em cantos escuros e sob móveis e armários.

Poucos dias depois, os Materis receberam uma visita do destacamento do exército do DDT: um tenente e uma dúzia de homens usando macacões brancos com grandes recipientes de spray amarrados nas costas. Enquanto Materi se esforçava para levar as roupas, lençóis, utensílios e comida da família para a segurança, a equipe encharcou a casa com uma solução de querosene e DDT. Materi escreveu mais tarde sobre a experiência:

Ficamos no piso escorregadio e observamos o querosene pingando das luminárias. “Seria uma boa ideia não deixar o bebê tocar em nada com DDT nele”, sugeriu o tenente – e saiu enquanto eu ainda estava contemplando como o meu vaso coreano com o dragão de quatro dedos enfeitaria a parte de trás de sua cabeça.

O uso entusiástico do DDT pelos destacamentos do exército é uma parte familiar da história do pós-guerra do pesticida. O mesmo ocorre com as imagens do final dos anos 1940 e 1950, que mostram donas de casa norte-americanas encharcando suas cozinhas com DDT e crianças brincando no nevoeiro químico emitido pelos caminhões de aspersão municipais. Artigos de jornais e anúncios chamavam DDT de “mágica” e “milagre” – o que provavelmente explica porque Materi levou DDT em sua jornada transpacífica.

Mas artigos e anúncios também alertaram que o DDT era uma substância para ser manuseada com cuidado – e por isso havia limites para quanto DDT Materi toleraria em sua casa e por que alguns americanos, como a agricultora da Geórgia Dorothy Colson, não tolerariam o DDT em absoluto. Colson passou o final dos anos 1940 tentando lançar um movimento contra o DDT, convencido de que estava deixando os americanos doentes e matando filhotes e abelhas. Para ela, não fazia diferença que o pesticida tivesse – como declarou o comitê do Prêmio Nobel de 1948 – salvado a “vida e a saúde de centenas de milhares” de doenças transmitidas por insetos, como tifo, malária, febre amarela e peste. Onde essas doenças não ameaçavam as pessoas, argumentava Colson, o DDT não valia o risco.

A raiva de Materi com o uso excessivo do DDT e a rejeição direta de Colson ao pesticida não aparecem tipicamente na história do agora infame químico. Dos livros de história às recentes reportagens sobre o vírus Zika, relatos do DDT nos lembram que os americanos do pós-guerra estavam tão enamorados com o potencial do pesticida de matar pragas que carregavam doenças e destruíam colheitas que rapidamente e entusiasticamente o adotaram. Não foi levantada uma questão sobre sua toxicidade ou riscos a longo prazo, somos levados a acreditar, até que Rachel Carson os delineou em seu livro de 1962, Silent Spring [Primavera Silenciosa]. A história do DDT é frequentemente invocada não só porque o poderoso pesticida era considerado uma das tecnologias mais importantes que emergiram da guerra, mas porque ainda lutamos para controlar doenças mortais e debilitantes transmitidas por insetos – sendo o Zika o último caso em questão.

Simplificamos a história do pesticida porque essa versão despojada da história do DDT reforça nossa compreensão do passado. A poderosa capacidade do DDT de controlar doenças tornou o pesticida um herói da guerra, e seu desenvolvimento por cientistas americanos ainda é uma prova de que os Estados Unidos conquistaram seu status de superpotência em grande parte por meio de sua proeza científica e tecnológica. A aceitação do público pelo produto químico captura a fé americana no conhecimento científico no pós-guerra. E sua difamação por ambientalistas serve como uma ilustração poderosa e duradoura da virada antiautoritária da geração baby boomer. Aqui, em suma, é uma substância química cuja história ilustra algumas das mais profundas mudanças sociais e culturais na história dos EUA do século XX.

soldado dedetizando com ddt
Soldado em uma casa italiana pulverizando uma mistura de DDT e querosene para controlar a malária, em 1945. (Fonte: Museu Nacional de Saúde e Medicina)

Mas o que acontece se contarmos a história do DDT de maneira diferente, deixando de fora o comitê do Nobel, por exemplo, e, em vez disso, sintonizando o que Materi, Colson e americanos de mentalidade semelhante estavam dizendo durante o auge do pesticida? Este lado da história revela um público mais circunspecto sobre o DDT do que muitos dos especialistas e autoridades que promoveram seu uso. Esta versão revela uma cidadania acostumada a pensar em pesticidas como venenos mortais, preocupada com a toxicidade desse novo inseticida e incerta sobre como interpretar garantias de sua segurança. Esta história mostra que muitos americanos precisavam estar convencidos de que o DDT era uma tecnologia que vale a pena se adaptar para o uso em tempo de paz. E essa história questiona a afirmação de que a nação aceitou de todo o coração o DDT. Agências do governo (algumas mais do que outras) recorreram a ela com frequência cada vez maior, assim como nossa indústria agrícola industrializadora. O público americano aceitou o DDT também – mas de forma mais desigual do que fomos levados a acreditar.

O público americano ouviu pela primeira vez sobre o DDT no início de 1944, quando jornais de todo o país relataram que o tifo, “a temida peste que se seguiu após todas as grandes guerras da história”, não era mais uma ameaça às tropas americanas e seus aliados, graças ao novo pó “matador de piolhos” do exército. Em um experimento em Nápoles, Itália, soldados americanos dedetizaram mais de um milhão de italianos com DDT, matando os piolhos que espalhavam tifo e salvando a cidade de uma epidemia devastadora. Foi uma estreia dramática.

O DDT rapidamente começou a fazer sua mágica na frente doméstica também. Nos meses que se seguiram, jornais informaram que em testes de aplicações nos Estados Unidos o pesticida estava matando mosquitos transmissores de malária em todo o sul e preservando vinhedos do Arizona, pomares da Virgínia Ocidental, campos de batata do Oregon, campos de milho de Illinois e laticínios de Iowa – e até mesmo um histórica carruagem de Massachusetts que estava com estofamento infestado de traças. Floresceu uma visão em tempo de paz para o DDT: havia uma descoberta em tempo de guerra que previniria doenças humanas e protegeria os ‘jardins da vitória’, plantações comerciais e o gado de infestações ao transformar escolas, restaurantes, hotéis e casas em lugares mais confortáveis ​​e livres de pragas para as pessoas e seus animais de estimação.

O DDT era um veneno, mas era seguro o suficiente para a guerra. Qualquer pessoa prejudicada pelo DDT seria uma vítima aceita pelo combate.

Em outubro de 1945, a National Geographic fez uma exibição sobre o “mundo do amanhã”, no qual foguetes transatlânticos acelerariam a entrega de correspondências, lojas venderiam alimentos congelados de terras exóticas, roupas revestidas de plástico à prova d’água e “tubos” eletrônicos e “olhos” faziam de tudo, desde arrumar roupas até pegar ladrões. A saúde e a medicina também seriam muito melhoradas graças às lâmpadas esterilizantes, à penicilina e, é claro, ao DDT. “Mas os cientistas estão avançando com cautela no uso do DDT, porque também mata muitos insetos benéficos ”, acrescentaram os autores. Em uma foto de ilustração – uma imagem que agora é icônica – um gerador de neblina montado em caminhão cobria uma praia de Nova York com DDT enquanto crianças pequenas brincavam nas proximidades. O pesticida havia interrompido uma epidemia de tifo em Nápoles, diz a legenda, mas “também tem uma desvantagem: mata muitos insetos benéficos e inofensivos, mas não mata todas as pragas de insetos”. Colheitas, flores e árvores dependentes de polinizadores poderiam morrer, assim como aves e peixes.

frascos com veneno DDT
Uma amostra de recipientes de DDT da coleção do Instituto de História da Ciência. (Fonte: Instituto de História da Ciência)

Em tempo de guerra, o DDT salvou vidas, e isso foi feito infligindo danos colaterais facilmente aceitos. Em tempos de paz, no entanto, os efeitos negativos do DDT em insetos benéficos, aves e peixes mereciam uma consideração renovada. A National Geographic meramente mencionou isso; outros eram mais diretos. Quando o Conselho de Produção de Guerra lançou o DDT para venda ao público, advertiu contra o “uso do mesmo para perturbar o equilíbrio da natureza” e acrescentou que, se aplicado às plantações, o DDT deixaria resíduos que também poderiam causar danos aos seres humanos.

Que tipo de dano? O problema era que ninguém realmente sabia. Testes no National Institutes of Health (NIH) e na Food and Drug Administration (FDA) mostraram que em animais de laboratório o DDT pode causar tremores, danos ao fígado e morte. Da variedade de animais testados em 1943 e 1944, os macacos pareciam mais resistentes aos efeitos do DDT, e os ratos menos. O DDT suspenso em óleo provou ser mais tóxico que o pó de DDT, e os líquidos em que o DDT foi dissolvido (como o querosene) muitas vezes pareciam mais tóxicos do que o próprio DDT. O que era preocupante, segundo o farmacologista do FDA, Herbert O. Calvery, era que a quantidade de DDT necessária para produzir sintomas de toxicidade não tinha uma correlação clara entre as espécies; em algumas espécies precisava de muito pouco, enquanto em outras era necessário mais. O problema foi ainda mais complicado pelo fato de que, quando pequenos animais ingeriam pequenas quantidades de DDT ao longo do tempo, desenvolviam sintomas de envenenamento normalmente associados a uma dose única e grande. Calvery concluiu que, embora fosse extremamente difícil dizer quanto DDT era seguro para os animais ou seres humanos ingerirem, o nível seguro “crônico” – ou contínuo – de exposição ao DDT “seria realmente muito baixo”.

As preocupações de Calvery apareceram no final de um longo relatório “restrito” sobre inseticidas emitido pelo Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento Científico em 1944. Um boletim do Departamento de Guerra divulgado no mesmo mês alertou contra a pulverização de DDT em bovinos, aves e peixes e em águas que possam ser usadas para consumo humano. Também alertou os soldados contra a exposição ao óleo com infusão de DDT em sua pele ou poeira de DDT em seus pulmões, e os encorajou a não permitir que o pesticida “se misturasse” com os suprimentos de cozinha. Ao mesmo tempo, o inseticida de aerossol de todo recruta era substituído por DDT, e os soldados eram instruídos a borrifar ou pulverizar seus colchões e refeitórios, latrinas e quartéis, abrigos, enfermarias e até seus uniformes. As advertências e avisos anexados aos memorandos do exército sobre o DDT renderam algumas medidas de autoproteção: soldados encarregados do destacamento do DDT receberam o equipamento de proteção que Materi mais tarde viu na equipe que entrou em sua casa. O DDT era um veneno, mas era seguro o suficiente para a guerra. Qualquer pessoa prejudicada pelo DDT seria uma vítima aceita pelo combate.

Se o DDT era prejudicial aos seres humanos, os métodos pelos quais ele causava danos não eram mais claros na paz do que no combate. Apesar de tudo, com o passar do tempo, a segurança do DDT parecia ser sem precedentes. No outono de 1945, milhões de pessoas entraram em contato direto com o DDT – em Nápoles, no norte da África, no Pacífico, mesmo em todo o sudeste dos Estados Unidos, onde o produto químico era pulverizado em casas na tentativa de derrotar os últimos vestígios da malária. Ninguém apresentou efeitos negativos. Os poucos envenenamentos por DDT humanos pareciam ser casos isolados associados a ingestão maciça, como aquele entre um grupo de prisioneiros de guerra do povo Formosano famintos que confundiram o DDT com farinha e o usaram para assar pão. Nenhum morreu, embora aqueles que comeram mais pão sofreram danos neurológicos duradouros.

Mas esses casos causaram pouco alarme. O DDT foi lançado para venda pública no final de 1945, numa época em que os inseticidas eram comumente conhecidos como “venenos” (ou por profissionais como “venenos econômicos” por sua capacidade de preservar os lucros agrícolas). Inseticidas introduzidos na segunda metade do século XIX para a agricultura comercial frequentemente continham cobre, chumbo e arsênio, e na primeira metade do século 20 era bem conhecido que os resíduos de inseticidas em frutas e vegetais podiam intoxicar e até mesmo matar consumidores desafortunados. Essa reputação era regularmente reforçada por casos divulgados de envenenamento: mulheres de Illinois adoeciam com espargos que foram borrifados; uma garota de Montana envenenada por frutas pulverizadas; intoxicações em Los Angeles remontavam a resíduos excessivos de arsênio em repolho, pera, espinafre, brócolis e aipo. Houveram também os trágicos acidentes associados ao aumento da presença de venenos contra pragas na vida cotidiana, como a morte de 47 pacientes em um hospital de Oregon, onde veneno contra baratas foi confundido com leite em pó.

Rachel Carson usando um microscópio
A bióloga marinha e conservacionista Rachel Carson, ca. 1962. (Fonte: Biblioteca Rara de Livros e Manuscritos Beinecke, Universidade de Yale)

Em vez de se distanciarem dos sprays venenosos, no entanto, na Segunda Guerra Mundial, mais e mais consumidores americanos os levavam para casa comprando na loja da esquina. Enquanto os americanos plantavam as ‘hortas da vitória’ para cultivar seus próprios alimentos, acumulavam coleções tamanho família de venenos agrícolas, incluindo arseniato de chumbo, arseniato de cálcio, sulfato de nicotina, bicloreto de mercúrio e pó de Bordeaux, uma mistura de sulfato de cobre e cal. “Todo jardineiro com mais de um mês de experiência”, observou um escritor de revistas na primavera de 1945, agora tem “uma combinação de pós e soluções tão letais quanto um arsenal”.

Inseticidas, por definição, eram venenos, e os consumidores estavam acostumados a pensar neles como tal, apesar de sua crescente onipresença. O DDT apresentava assim um paradoxo inigualável. Parecia evitar muitas das desvantagens dos velhos inseticidas: insetos não precisavam comê-lo para morrer, mas simplesmente tinham que entrar em contato com ele; continuava matando por meses depois que foi aplicado; e matou uma variedade extraordinária de insetos em doses muito baixas, tudo sem causar nenhum dano detectável às pessoas. Mas para cada característica que o diferenciava dos inseticidas anteriores, ainda era uma substância destinada a matar. Então, como os consumidores receberiam garantias da segurança do DDT nos folhetos do governo, artigos de notícias e anúncios que cantavam suas maravilhas?

Uma resposta foi rejeitar tais alegações, como vários jornalistas e legisladores fizeram no primeiro ano do DDT no mercado consumidor. Quando o pesticida foi lançado pela primeira vez para venda, funcionários do estado em Missouri emitiram uma advertência formal contra ele, citando perigos desconhecidos para as plantas, animais e seres humanos. Minnesota proibiu sua venda, New Jersey a restringiu, e a Califórnia e Nova York emitiram decretos exigindo que produtos contendo DDT tivessem a caveira e os ossos cruzados, indicando ser um veneno perigoso. Esta última abordagem preocupou os funcionários do FDA e do NIH. Se as pessoas aprendessem com a experiência que o DDT poderia ser tratado com menos cautela do que venenos conhecidos como estricnina e bicloreto de mercúrio – o que certamente poderia – perderiam o respeito pela caveira e pelos ossos cruzados como um sinal de perigo.

Enquanto os estados se esforçavam para regular o DDT, os jornalistas lutavam para reconciliar advertências e promessas. “Não se engane com isso. O DDT em quantidade suficiente é um veneno ”, anunciou uma revista doméstica. Claro, matou baratas, mas “o DDT presumivelmente também poderia mandá-lo para a morte”, relatou outro. “DDT: Manuseie com cuidado”, anunciou outra publicação, que passou a dizer aos leitores que o DDT em quantidades substanciais “atacaria os centros nervosos e o fígado” e que pequenas quantidades consumidas com o tempo poderiam “se acumular no corpo em uma dose fatal.” Afinal, observou um escritor, isso é exatamente o que o consumo de chumbo e arsênio podem fazer. O DDT, “aquele núcleo de tempestade de prós e contras”, precisava ser tratado “tão respeitosamente quanto o arseniato de chumbo”, escreveu outro. A suposta segurança do DDT era uma das coisas mais empolgantes, mas era também uma das mais difíceis de acreditar.

Então, quando Dorothy Colson viu aviões pulverizando DDT sobre terras adjacentes à fazenda de sua família, foi fácil para ela conectar o pesticida aos problemas que de repente não diminuíam. Nos anos que se seguiram à guerra, Colson lançou uma investigação obstinada sobre o DDT, escrevendo para agências, fabricantes e organizações estaduais de todo o mundo. A literatura que ela acumulou sobre o pesticida indicou que ele pode ser prejudicial aos seres humanos, mas não ofereceu provas conclusivas de que era. E quanto mais especialistas ela questionava, mais ela era informada de que o DDT salvara acima de tudo incontáveis ​​vidas em todo o mundo, ao mesmo tempo em que nunca prejudicava uma pessoa.

demonstração de aplicação do DDT
Soldados do Exército dos EUA demonstrando equipamento de pulverização de DDT. A Organização Mundial de Saúde afirmava que o inseticida impediu a morte de 25 milhões de pessoas desde a Segunda Guerra Mundial. (Fonte: Centros de Controle e Prevenção de Doenças)

Mas a pesquisa de Colson revelou muitas evidências de que o DDT era prejudicial a outros seres vivos, especialmente as abelhas. Para ela isso era motivo suficiente para se preocupar. Como ela escreveu para um oficial de saúde do estado, “qualquer veneno forte o suficiente para matar ou prejudicar as abelhas é certamente forte o suficiente para afetar as pessoas”. Os efeitos do pesticida sobre as abelhas e outros insetos benéficos preocuparam os cientistas federais desde a introdução do DDT. Eles notaram desde o início (como a National Geographic relatou) que o DDT era mortal para as abelhas, borboletas, pequenos peixes e répteis e, em concentrações suficientemente altas, pássaros e pequenos mamíferos. A morte de polinizadores levaria a pomares infrutíferos e a campos de cultivo estéreis. Como um relatório do Serviço de Saúde Pública dos EUA observou, “existe um equilíbrio delicado na biota de cada ambiente, e é essencial determinar até que ponto o DDT perturba esse equilíbrio”. A Associação Americana de Entomologistas Econômicos concordou que o “uso em grande escala do DDT pode criar problemas que não existem atualmente”. Até mesmo a fabricante de DDT, Monsanto, alertou que “o perigo inerente ao uso indiscriminado do DDT como uma cura para todos é muito real”.

Essas preocupações de especialistas não eram segredo. Os jornais informaram que o novo produto químico era uma ameaça à natureza. (Produtos químicos agrícolas mais antigos, como o chumbo e o arsênico, geralmente só recebem espaço na imprensa quando envenenam pessoas.) O DDT matou insetos benéficos e teve o potencial de “eliminar patos e gansos”, “paralisar” ovelhas, “queimar” plantas e provocar explosões populacionais de algumas pragas, eliminando seus predadores naturais. No estado natal de Colson, o editor de temas agrícolas do [jornal] Atlanta Constitution e apresentador de programas de rádio, Channing Cope, escreveu sobre sua experiência em testar o DDT em sua propriedade.

As histórias que contamos repetidamente, como a do DDT, explicam como chegamos ao presente e apontam para um futuro esperado.

“O DDT vai matar as abelhas e isso significa que vai matar o trevo, o que significa também que vai matar o nosso gado”, avisou. “Isso destruirá as plantações de frutas que dependem das abelhas para a polinização! Ele matará a maioria das flores pela mesma razão e acabará com muitos de nossos legumes ”. Ele concluiu, ameaçadoramente, que o DDT “tem o poder de nos arruinar”.

Mas Cope tinha outras observações para compartilhar também. O pesticida havia eliminado os insetos que importunavam suas mulas, vacas leiteiras, cães escocêses, gato e porco; e parecia impedir que os insetos entrassem por rachaduras e fendas em suas janelas e paredes. Embora sua desvantagem fosse inegável, ele escreveu que o DDT também era uma “ótima ferramenta para nossa melhoria”.

A ambivalência de Cope capturou a da nação como um todo. Apesar de sua apreensão, os americanos estavam enamorados com as maneiras pelas quais o DDT prometia melhorar a vida na fazenda e em casa. Não sendo molestado por insetos, o gado leiteiro produziu mais leite e novilhos produziram mais carne. Baratas desapareciam dos armários, formigas do açúcar, percevejos de colchões e traças de tapetes. Até mesmo as moscas suspeitas de portar pólio pareciam levar a doença com elas enquanto desapareciam. As vendas de DDT continuaram a subir, mesmo quando os Colsons e os Copes se esforçavam para entender os danos causados ​​pelos produtos químicos. E assim a nação avançou, ainda ambivalente: a produção de DDT aumentou dez vezes para mais de 45 milhões de quilogramas no início da década de 1950 (a grande maioria usada na agricultura).

Mas os medos não desapareceram. Na primavera de 1949, as manchetes em todo o país levaram a notícia de que o DDT havia entrado no mercado de laticínios do país e que o “veneno lento e insidioso” estava se acumulando em corpos humanos. No ano seguinte, e pelo resto da década de 1950, o DDT se tornou um foco de audiências no Congresso sobre a segurança do suprimento de alimentos. O cientista do FDA, Arnold J. Lehman, testemunhou que pequenas quantidades de DDT estavam sendo armazenadas na gordura humana e se acumulando ao longo do tempo e que, ao contrário dos venenos mais antigos, ninguém sabia quais seriam as consequências. O médico Morton Biskind compartilhou sua preocupação de que o DDT estivesse por trás de uma nova epidemia, o chamado vírus X (uma epidemia posteriormente atribuída ao naftaleno clorado, um produto químico usado em lubrificantes para máquinas agrícolas). Fazendeiros que se abstinham de pesticidas, como Louis Bromfield, testemunharam que simplesmente não conseguiam atender à demanda de safras sem pulverização da Heinz, Campbell, A & P e outras empresas – todas elas próprias tentando atender às demandas dos consumidores preocupados com pesticidas em geral e, especificamente, o onipresente e bem divulgado DDT.

No momento em que Rachel Carson detalhou o dano do DDT a falcões, salmões, águias e outras formas de vida selvagem em Silent Spring, um bom número de americanos exigiu mais informações sobre os efeitos nocivos do inseticida durante quase duas décadas. E até hoje não é assim que falamos sobre o passado do DDT. Em vez disso, contamos a história de uma substância química cujos poderes eram tão inspiradores que ninguém pensou em suas desvantagens – pelo menos não até serem reveladas por um cientista renegado. É uma narrativa que deu aos americanos um herói para o final do século XX, uma cientista e escritora inteligente e corajosa o suficiente para enfrentar o establishment e vencer. É uma história sobre o poder dos movimentos sociais para refazer a sociedade para melhor. E é uma história de uma nação reformada, capaz de deixar de lado a arrogância da razão.

zika no brasil
Infecções por zika em mulheres grávidas podem resultar em seus filhos nascerem com defeitos congênitos, incluindo cabeças anormalmente pequenas, como visto nesta criança brasileira. A disseminação do Zika reacendeu o debate sobre se o DDT deveria voltar a ser usado. (Fonte: Associated Press)

Como sociedade, usamos narrativas para organizar nosso passado compartilhado em um começo, meio e fim. As histórias que contamos repetidamente, como a do DDT, explicam como chegamos ao presente e apontam para um futuro esperado. O DDT foi proibido nos Estados Unidos em 1972, um desenvolvimento amplamente creditado a Carson e ao movimento ambientalista que ela ajudou a inspirar. Mas em relatórios recentes sobre o Zika – e em debates menos recentes sobre a malária em países em desenvolvimento – um novo final para a história do DDT tomou forma. Nesta versão dos eventos, existe uma maneira responsável de usar o pesticida e uma potencial necessidade dele quando se trata de controlar as doenças mais intratáveis ​​transmitidas por insetos. Nesta versão, nossa implantação considerada do DDT nunca repetiria os erros do passado, especialmente o uso excessivo do pesticida na agricultura. Neste novo final, os especialistas de hoje são mais esclarecidos do que seus correspondentes históricos; sua especialidade decorre, em parte, da aprendizagem de erros do passado e, com essa sabedoria, eles determinam os limites apropriados no uso de tecnologias poderosas.

Talvez. Não posso prever o futuro, mas posso dizer que essas narrativas competitivas sobre o DDT ilustram um problema do passado: quando nós, como coletivo, lembramos nossa história compartilhada, selecionamos e escolhemos o que aconteceu para construir nossas grandes narrativas de nação e identidade. Ao fazê-lo, descartamos as peças que não se encaixam e chegamos a acreditar que existe apenas um único passado verdadeiro. Se essa maneira de contar histórias é uma inevitabilidade humana, então talvez devêssemos aprender a reconhecer as formas pelas quais a memória seletiva molda muitas das narrativas que nos dizem quem nós pensamos que somos.

Texto escrito por Elena Conis.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( [email protected] ) do original ‘Beyond Silent Spring: An Alternate History of DDT’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas.

Original (English) content from Science History Institute (https://www.sciencehistory.org/). Content translated with permission, but portuguese text not reviewed by the original author. Please do not distribute beyond this site without permission. [[Conteúdo original (inglês) do Science History Institute (https://www.sciencehistory.org/) . Conteúdo traduzido com permissão, mas o texto em português não foi revisado pelo autor do original. Por favor, não distribua o conteúdo sem permissão.]]

Feito pelo homem: uma história da vida sintética

origem da vida e a química
A criação de um homúnculo, um humano em miniatura artificial, de uma edição de 1899 do Fausto de Goethe.

O escritor de ciência Philip Ball mergulha no mito, na história e na ciência para desvendar as raízes de nossos medos da vida artificial.

Fazer a vida artificial não era uma dificuldade tão grande na antiguidade quanto é para nós. Qualquer um deveria ser capaz de fazer isso com a receita certa, assim como assar pão. O poeta romano Virgil descreveu um método para fazer abelhas sintéticas, uma prática conhecida como bougonia, que envolvia espancar um pobre bezerro até a morte, tapar o nariz e a boca e deixar a carcaça sobre uma cama de tomilho e paus de canela. “Criaturas criadas maravilhosamente aparecem”, escreveu ele, “primeiro sem membros, mas logo com asas”.

Isso era, é claro, simplesmente uma expressão da crença geral na geração espontânea: a ideia de que os seres vivos poderiam surgir do nada dentro de uma matriz fértil de matéria em decomposição. Cerca de 300 anos antes, Aristóteles, em seu livro Sobre a geração de animais, explicou como esse processo produziu vermes, insetos e camundongos. Ninguém duvidava que fosse possível, e ninguém temia também (além da inconveniência); ninguém estava “brincando de Deus”, fazendo uma nova vida dessa maneira.

O furor que algumas vezes acompanhou a nova ciência da biologia sintética – a tentativa de reestruturar os organismos vivos como se fossem máquinas para nós, ou para construí-los a partir do zero a partir das partes componentes – deriva de um constructo decididamente moderno, um “Reverência pela vida.” No passado, os receios sobre esse tipo de arrogância tecnológica eram reservados principalmente para propostas de criação de seres humanos por meios artificiais – ou, como diriam os gregos, pela téchne.

E se a ideia de fabricar os seres humanos carregava um sopro do proibido na antiguidade, a razão tinha mais a ver com uma desconfiança geral da techné do que com a desaprovação da criação de pessoas. Havia uma sensação de que as máquinas – o que os gregos chamavam de mechanomai – eram artifícios dúbios que faziam as coisas funcionarem de maneira contrária à natureza. Na física de Aristóteles, objetos pesados ​​eram naturalmente aptos a descer, enquanto as máquinas podiam forçá-los fazer o oposto. Platão, professor de Aristóteles, desconfiava de toda arte (seja a pintura ou invenção) como uma imitação enganosa da natureza.

Como esses antigos preconceitos contra a techne ainda persistiam no século XVII, o filósofo inglês Francis Bacon achou necessário oferecer uma firme defesa do artificial. Ele não foi totalmente bem sucedido, a mesma desconfiança do “artificial” e “sintético” persiste ainda hoje. Parte da antipatia que a biologia sintética enfrentou decorre desse viés de longa data. Mas outra fonte arraigada da desconfiança vem da teologia cristã do final da era medieval, na qual a téchne arrogante que adulterou a vida humana arriscou invocar a ira de Deus. Na versão moderna e secular, a sacralidade da vida humana expandiu-se para abranger toda a natureza – e nós arriscamos a condenação da natureza, atrevendo-nos a intervir nos seres vivos. Esse é o tipo de transgressão agora implicado por uma das objeções comuns às pretensões da biologia sintética: seria “antinatural”.

A barganha faustiana
Quando os teólogos desaprovavam as alegações dos alquimistas de que podiam fazer um ser artificial conhecido como homúnculo, seu raciocínio não era necessariamente o que imaginamos. A acusação não era realmente de brincar de Deus, mas sim de forçar a mão de Deus. Pois embora possamos ser capazes de animar a matéria deste modo misterioso, somente Deus poderia dar-lhe uma alma. Deus teria então que intervir para alimentar o homúnculo? E será que, não tendo nascido da linhagem de Adão, estaria livre do pecado original e, portanto, não teria necessidade da salvação de Cristo?

Essas eram as questões que preocupavam os clérigos. Talvez também tenham incomodado o homúnculo: o criado pelo assistente de Fausto, Wagner, no relato de Goethe daquela velha história, anseia por ser totalmente humano, já que só então ele pode escapar do recipiente de vidro em que foi feito. “Eu mesmo desejo nascer”, diz ele.

Luigi e Giovanni Aldini – Galvanizando Corpos de Criminosos
experimentos realizados por aldini
Ao escrever Frankenstein , Mary Shelley recorreu à ciência de seu tempo, incluindo a experimentação elétrica de Luigi Galvani e seu sobrinho Giovanni Aldini, cujos temas de teste incluíam os cadáveres de criminosos executados, como mostrado nesta ilustração de 1804. (Fonte:Biblioteca Wellcome, Londres)

A lenda de Fausto, que remete ao mágico bíblico Simon Magus, que lutou com magia contra São Pedro, fornece a pedra de toque para os medos dos cientistas ultrapassarem a marca e, sem querer, liberarem forças destrutivas. Fausto era, naturalmente, o modelo do mais famoso conto cautelar da ciência que se intrometia na criação da vida: o Frankenstein de Mary Shelley. O romance, publicado pela primeira vez anonimamente em 1818 com um prefácio de Percy Shelley (marido de Mary, que alguns suspeitavam ser o autor), reinventa o mito de Fausto para a era da ciência, com base na biologia do avô de Charles Darwin, Erasmus, a química de Humphry Davy e a fisiologia elétrica do italiano Luigi Galvani. Percy Shelley escreveu que as especulações de Erasmus Darwin, expostas em obras como Zoonomia, ou as Leis da Vida Orgânica (1794), apoiaram a ideia de que a reanimação de matéria morta de Victor Frankenstein “não era de ocorrência impossível”. E o palestrante de popularização da ciência Adam Walker, amigo do químico Joseph Priestley, escreveu que os experimentos de Galvani sobre fisiologia elétrica demonstraram a “relação ou afinidade [da eletricidade] com o princípio vivo”. Fazer vida estava no ar no início do século 19, e Frankenstein parece, em retrospecto, quase inevitável.

O médico de Mary Shelley e sua criação monstruosa são agora invocados como uma reação automática a todas as novas intervenções científicas na vida. Eles apareceram com destaque na cobertura da mídia sobre fertilização in vitro (FIV) e clonagem (“O mito de Frankenstein se torna realidade”, escreveu o New York Times sobre a fertilização in vitro), modificação genética de plantas (“Frankenfoods”) e agora a criação de formas de vida ”por biologia sintética (“ Frankenbugs ”). A mensagem é clara: a tecnologia assim rotulada é algo antinatural e perigoso, e garante nossa firme desaprovação.

Lodo primordial
A pré-história da biologia sintética não é toda faustiana. A aparente inclinação da vida para brotar da matéria sem vida estimulou a noção de um princípio animador que estava difundido no mundo, pronto para acelerar as substâncias quando as circunstâncias eram clementes. Nessa visão, uma propriedade que ficou conhecida como a “força vital” inerente aos próprios constituintes – os corpúsculos, ou moléculas – da matéria e da vida apareceu gradualmente quando um número suficiente dela se acumulou. Em sua estranha história D’Alembert’s Dream (1769), o filósofo francês Denis Diderot compara o movimento coerente de massas como “pontos de vida”, semelhantes a moléculas, a um enxame de abelhas, do tipo que Virgil acreditava que poderia ser evocado de uma vaca morta. Como o contemporâneo de Diderot, o naturalista francês George-Louis Leclerc, o conde de Buffon,

A vida do todo (animal ou vegetal) parece ser apenas o resultado de todas as ações, todas as pequenas vidas separadas. . . de cada uma dessas moléculas ativas cuja vida é primitiva e aparentemente indestrutível.

O vitalismo tem sido frequentemente ridicularizado pelos cientistas hoje como uma espécie de superstição pré-científica, mas na verdade esse tipo de hipótese provisória é precisamente o que é necessário para que a ciência progrida em um problema difícil. Ao supor que a vida era imanente na matéria, os primeiros cientistas conseguiram naturalizá-la e distingui-la de uma agente misteriosa, dado por Deus, e assim torná-la um objeto apropriado para estudo científico.

Os primeiros químicos acreditavam que o segredo da vida deveria residir na composição química: animar a matéria era apenas uma questão de obter a mistura certa de ingredientes.

Dito isto, não deveríamos nos surpreender que a síntese de ureia de Friedrich Wöhler (uma molécula que até agora apenas criaturas vivas poderiam produzir) em 1828 a partir de um sal de amônio não representasse uma ameaça profunda ao vitalismo, apesar de ser frequentemente citada como o começo do fim para a teoria. O potencial vital das moléculas era tudo uma questão de grau; então não havia motivo real para surpresa de que uma molécula associada a seres vivos pudesse ser feita a partir de matéria aparentemente inanimada. Na verdade, a crescente apreciação durante o século 19 de que “química orgânica” – a ciência das moléculas baseadas principalmente em carbono produzidas por e constituindo seres vivos – era contígua ao resto da química, apenas aprofundou o enigma do que é a vida, enquanto ao mesmo tempo, reforçava a visão de que a vida era uma questão para os cientistas e não para os teólogos.

Os primeiros químicos acreditavam que o segredo da vida deveria residir na composição química: animar a matéria era apenas uma questão de obter a mistura certa de ingredientes. Em 1835, o anatomista francês Félix Dujardin afirmou ter feito a substância viva primordial esmagando animais microscópicos em uma polpa gelatinosa. Quatro anos mais tarde, o fisiologista tcheco Jan Purkinje deu um nome a essa substância primitiva: o protoplasma, que se acreditava ser algum tipo de proteína e que estava imbuído da capacidade de se mover por conta própria.

Na década de 1860, o antigo defensor de Charles Darwin, Thomas Henry Huxley, afirmou ter encontrado essa substância primitiva, que ele alegava ser a “base física da vida”, ou “um tipo de matéria que é comum a todos os seres vivos”. Ele identificou essa substância com uma espécie de limo em que os organismos residentes no fundo do mar pareciam estar incorporados. O limo continha apenas os elementos carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, disse Huxley. (Na verdade, seu protoplasma acabou sendo o produto de uma reação química entre a água do mar e o álcool usado para preservar os espécimes marinhos de Huxley.) Enquanto isso, o principal defensor alemão do darwinismo, Ernst Haeckel, declarou que existe uma espécie de força vital em toda a matéria, até o nível de átomos e moléculas; a descoberta da organização molecular em cristais líquidos na década de 1880 pareceu-lhe justificar a hipótese.

Haeckel estava, pelo menos, certo em se concentrar na organização. Desde que o fisiologista alemão Theodor Schwann propôs, em meados do século XIX, que toda a vida é composta de células, o conceito de protoplasma era confrontado com a necessidade de explicar a estrutura ordenada da vida: a gelatina não era suficiente. A geração espontânea foi finalmente eliminada pelos experimentos de Louis Pasteur e outros, mostrando que as misturas estéreis permaneciam assim, se fossem seladas para impedir o acesso aos microrganismos que Pasteur identificara sob o microscópio. Mas o vitalismo não morreu no processo, em vez disso transformou-se na noção de “organização orgânica” – a misteriosa propensão dos seres vivos a adquirir estrutura e coordenação entre seus componentes moleculares, que os biólogos começaram a discernir quando inspecionaram células sob o microscópio. Em outras palavras, a organização da vida aparente na escala visível se estendia não apenas ao nível celular, mas além dela. A noção de um protoplasma universal, entretanto, tornou-se insustentável quando a diversidade de componentes moleculares da vida, em particular a gama de enzimas proteicas, se tornou aparente através da análise química no início do século XX.

A gelatina primitiva tinha uma notável canção de cisne. Em 1899, o Boston Herald publicou a manchete “Criação da Vida… Animais Inferiores Produzidos por Meios Químicos ”. Deixando de lado o corolário possivelmente irônico apresentado na manchete “Imaculada Conceição Explicada”, o jornal descreveu a pesquisa do fisiologista alemão Jacques Loeb, que estava trabalhando no centro de biologia marinha em Woods Hole, Massachusetts. Loeb, de fato, não fizera nada tão notável; ele havia mostrado que um ovo de ouriço-do-mar não fertilizado podia ser induzido a sofrer partenogênese, dividindo-se e desenvolvendo-se pela exposição a certos sais. A visão mais ampla de Loeb, no entanto, preparou o palco para uma entrevista em 1902 que o relata dizendo:

Eu queria pegar a vida em minhas mãos e brincar com ela. Eu queria lidar com isso em meu laboratório como faria com qualquer outra reação química – para iniciá-la, pará-la, modificá-la, estudá-la sob todas as condições, para direcioná-la à minha vontade!

As palavras de Loeb soam quase como o sonho enlouquecido de um cientista louco de Hollywood. A Scientific American chegou a apelidar Loeb de “o Frankenstein Científico”. Não é preciso dizer que Loeb nunca foi capaz de fazer nada do tipo; mas seu desejo de controlar a vida através de uma perspectiva de engenharia se mostrou presciente, e foi mais proeminentemente apresentado em seu livro The Mechanistic Conception of Life (1912).

Geração espontânea
geração espontânea - arte antiga
Um exemplo de geração espontânea, como ilustrado no relato de 1605 de plantas míticas, do jurista e naturalista francês Claude Duret, Histoire admirable des plantes et herbes esmerveillables et miraculeuses en nature. (Fonte: Biblioteca Wellcome, Londres)

No circuito
O sonho de Loeb de “brincar” com a vida não poderia ser realizado até que tivéssemos uma melhor concepção dos componentes da vida. Encontrar esses componentes foi a missão da biologia molecular do século 20, que emergiu em grande parte dos estudos da estrutura química e composição de proteínas usando a cristalografia de raios X, iniciada de 1930 a 1950 por J. Desmond Bernal, William Astbury, Dorothy Hodgkin, Linus Pauling e outros. Essas moléculas pareciam máquinas minúsculas, projetadas e moldadas pela evolução para fazer seu trabalho.

Mas é claro que a biologia molecular não era apenas sobre proteínas. O que realmente mudou o jogo foi a descoberta do que parecia ser a fonte da organização milagrosa da vida. Não era, como muitos previram, uma proteína que transportava as informações necessárias para regular a célula, mas sim um ácido nucléico: o DNA. Quando James Watson e Francis Crick usaram os dados cristalográficos de raios X de outros, incluindo o de Rosalind Franklin, para deduzir a forma helicoidal dupla da molécula em 1953, nem todos os cientistas acreditavam que o DNA fosse o veículo dos genes que aparentavam passar instruções de uma geração para a próxima. O trabalho de Watson e Crick mostrou como essa informação foi codificada – em uma sequência digital de blocos moleculares ao longo da hélice – e, além disso, implicou um mecanismo pelo qual a informação poderia ser copiada durante a replicação.

Se essas fossem de fato “instruções para a vida”, então a química poderia ser usada para modificá-las. Esse foi o negócio da engenharia genética, que decolou na década de 1970, quando os cientistas descobriram como usar enzimas naturais para editar e colar partes do DNA “recombinante”. Os biólogos moleculares estavam agora pensando na vida como uma forma de engenharia, passível de design.

A biologia sintética às vezes tem sido chamada de “engenharia genética que funciona”: usando os mesmos métodos biotecnológicos de recortar e colar, mas com uma sofisticação que obtém resultados. Essa definição é talvez um pouco injusta porque a engenharia genética “antiquada” funcionou perfeitamente para alguns propósitos: ao inserir um gene para fazer insulina em bactérias, por exemplo, esse composto, vital para o tratamento da diabetes, pode ser feito por fermentação de microorganismos, em vez de extrair de vacas e porcos. Mas intervenções mais profundas nos processos químicos dos organismos vivos podem exigir muito mais do que a adição de um gene ou dois. Tais intervenções são o que a biologia sintética pretende alcançar.

Tomemos a produção da droga antimalárica artemisinina, cuja descoberta foi o tema do Prêmio Nobel 2015 em medicina. Esta molécula oferece a melhor proteção atualmente disponível contra a malária, funcionando efetivamente quando o parasita da malária desenvolveu resistência à maioria dos outros antimaláricos comuns. A artemisinina é extraída de um arbusto cultivado para esse fim, mas o processo é lento e caro. (Os preços caíram recentemente.) Ao longo da última década, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, tentaram manipular a maquinaria de fabricação de artemisinina da planta em células de levedura, de modo que a droga pudesse ser produzida a baixo preço pela fermentação. É complicado porque a molécula é produzida em um processo de várias etapas envolvendo várias enzimas que têm que transformar o ingrediente bruto, etapa por etapa, na molécula final complexa, com cada etapa sendo conduzida no momento certo. Com efeito, isso significa equipar a levedura com os genes e os processos de regulação necessários para uma nova via metabólica, ou sequência de reações bioquímicas – uma abordagem chamada engenharia metabólica, equivalente ao tipo de reaproveitamento planejado de um organismo que é um objetivo central da biologia sintética.

A síntese de artemisinina em levedura (mais propriamente, semissíntese desde que começa com um precursor da molécula de droga colhida de fontes naturais) é frequentemente chamada de garoto propaganda da biologia sintética – não apenas porque funciona (o processo agora está entrando na produção comercial), mas porque tem objetivos inequivocamente benevolentes e valiosos. Criar produtos úteis, dizem os defensores, é tudo o que eles estão tentando fazer: não criar monstruosidades não-naturais no estilo Frankenstein, mas a produção eficiente de drogas e outras substâncias necessárias, idealmente usando caminhos bioquímicos em organismos vivos como uma alternativa aos possíveis processos tóxicos, carregados de solvente, da química industrial.

Imagine bactérias e leveduras projetadas para produzir combustíveis “verdes”, como hidrogênio ou etanol, alimentados por matéria vegetal e eliminando a necessidade de minerar e queimar carvão e petróleo. Imagine plásticos facilmente biodegradáveis ​​produzidos desta maneira, e não a partir de petróleo. Craig Venter, que fez seu nome (e dinheiro) desenvolvendo tecnologias de decodificação do genoma, fez de tais objetivos um elemento central da pesquisa realizada em seu J. Craig Venter Institute (JCVI) em Rockville, Maryland. Em abril passado, cientistas da JCVI anunciaram que inventaram maneiras de projetar microalgas chamadas diatomáceas, usando os métodos da biologia sintética, para que elas juntem bactérias e leveduras como veículos para a fabricação de biocombustíveis e outros produtos químicos.

Na verdade, a JCVI está tentando criar fábricas vivas microscópicas. O mesmo motivo sustentou a criação de Venter de um suposto “organismo sintético” em 2010, outro dos marcos da biologia sintética – o Frankenbug, nas palavras de alguns oponentes da manipulação genética. Se esses micróbios podem ser considerados verdadeiramente artificiais é uma questão de debate. Os cientistas do JCVI usaram métodos químicos bem estabelecidos para construir um genoma inteiro a partir do DNA, baseado no de uma bactéria natural chamada Mycoplasma mycoides, mas com algumas sequências genéticas adicionadas e outras omitidas. Eles então pegaram células de uma bactéria Mycoplasma intimamente relacionada, extraíram seu DNA original, inseriram as substituições artificiais e “carregaram” as células modificadas como se fossem computadores com um novo sistema operacional. As células funcionaram bem com seu novo DNA sob medida.

O objetivo não era uma demonstração arrogante de controle sobre a vida, mas uma verificação de que as células bacterianas podem ser equipadas com novas instruções que podem ser uma versão simplificada de suas naturais: um tipo de chassi mínimo no qual novas funções podem ser projetadas e construídas. O funcionamento genético completo das bactérias mais simples não é completamente compreendido, mas se os genomas deles puderem ser simplificados para remover todas as funções que não são essenciais para sustentar a vida, a tarefa de projetar novos caminhos e processos genéticos se torna muito mais fácil. Em março deste ano, a equipe do JCVI descreveu uma versão “mínima” da bactéria Mycoplasma .

A linguagem dessa nova ciência é a do engenheiro e designer: a linguagem do artesão, não do filósofo natural que descobre como a natureza funciona. Essa maneira de pensar a vida remonta, pelo menos, a René Descartes, que concebeu o corpo como uma máquina, um mecanismo de alavancas, polias e bombas. No tempo de Descartes, essa visão mecânica da vida não levaria a nada mais do que simulacros mecânicos grosseiros: os autômatos feitos por relojoeiros e inventores, engenhocas engenhosas e misteriosas em si, mas que no final não são mais animadas que os ponteiros de um relógio. Mas a biologia sintética traz a filosofia newtoniana, mecanicista, para as próprias coisas da vida, para os genes e enzimas das células vivas: eles são agora os dentes e engrenagens que podem ser encaixados, impulsionados por molas, lubrificados e montados em mecanismos moleculares. Então não temos uma mera simulação da vida, mas a própria vida.

A linguagem dessa nova ciência é a do engenheiro e designer: a linguagem do artesão, não do filósofo natural que descobre como a natureza funciona.

No entanto, a linguagem atual não é tanto a mecânica e a mecânica do relógio, mas o equivalente moderno: nossa mais recente tecnologia de ponta, ou seja, eletrônica e computação. Desde que os biólogos François Jacob, Jacques Monod e outros mostraram na década de 1960 como os genes são regulados para controlar sua atividade, a genética adotou o léxico da teoria dos sistemas cibernéticos, que foi desenvolvido para entender como controlar sistemas tecnológicos complexos e encontrar aplicações em eletrônica, engenharia, robótica, comunicações e computação. Ou seja, diz-se que diferentes componentes do genoma estão ligados em circuitos e regulados por loops e interruptores de feedback à medida que passam sinais de uma unidade para outra.

máquina humana
Der Mensch als Industriepalast (Homem como um Palácio industrial), um cartaz em tamanho natural encomendado pelo médico e escritor alemão Fritz Kahn em 1926, imagina o corpo humano como uma fábrica química em miniatura. (Fonte: Biblioteca Nacional de Medicina)

Nessa visão, os genomas desempenham seu papel de organizar e regular a vida de maneira modular e hierárquica, assim como os componentes eletrônicos são conectados a elementos básicos do circuito, como amplificadores ou dispositivos lógicos, que por sua vez são organizados de modo a permitir funções de nível superior, como armazenamento de memória e recuperação ou sincronização de sinais.

Essa noção de circuito genético é a plataforma conceitual sobre a qual a biologia sintética está sendo construída. No esquema BioBricks criado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), os genes podem ser combinados e compilados em um Registro de Peças Biológicas Padrão: um catálogo de acesso aberto de circuitos genéticos biológicos que você pode ler como faria com um catálogo de componentes eletrônicos da RadioShack, procurando os dispositivos que você precisa para realizar seu projeto. O objetivo é que, com atenção suficiente à padronização, essas partes biológicas funcionem como “plug and play”, sem precisar de muito refinamento e ajuste para cada aplicação.

Este conceito plug-and-play funciona notavelmente bem. Os primeiros triunfos para a biologia sintética incluíram a demonstração de circuitos gênicos que agiam como osciladores (permitindo que a taxa de síntese de uma proteína fosse ativada e diminuída periodicamente) e comutadores (permitindo a ativação e desativação controláveis ​​da síntese de proteínas usando um produto químico ou sinal luminoso). Dessa forma, os pesquisadores criaram bactérias que se acendiam periodicamente por meio de uma proteína fluorescente cuja produção estava ligada a um circuito oscilador genético. Desde 2004, a equipe do MIT promove um evento anual chamado de competição internacional de máquinas geneticamente modificadas, no qual as equipes de alunos competem para apresentar o mais inovador projeto de biologia sintética. As inscrições incluíram “E. chromi ”, E. coli geneticamente modificada que pode mudar para todas as cores do arco-íris em resposta a sinais específicos (como gases tóxicos ou contaminantes de alimentos), células de combustível microbianas que geram eletricidade pela E. coli modificada e fotografia bacteriana usando E. Coli modificada para produzir produtos químicos que tornam um filme preto em resposta à luz.

Vida como informação
A orientação de engenharia de sistemas da biologia sintética reflete a mais recente mudança em nossa visão da vida. Na era da alquimia, a vida era vista como uma espécie de espírito vital, uma força oculta que permeava a natureza. Newton e Descartes fizeram disso uma questão de mecânica; Galvani transformou-a em um fenômeno elétrico, enquanto o surgimento da química no século XIX fez com que se tratasse de composição química. Mas desde que a descoberta de Watson e Crick casou com a genética neodarwiniana da biologia molecular, a vida tem sido cada vez mais encarada como uma questão de informação e é frequentemente descrita como um código digital impresso na memória molecular que é a sequência genética do DNA. Redesenhar a vida, como a engenharia da computação, é uma questão de codificação e design de circuitos.

Analisados ​​historicamente, parece provável que nossa visão atual da vida se torne tão obsoleta quanto as antigas. Mas talvez não devêssemos ver essa sucessão simplesmente como uma substituição de uma ideia por outra. Alguns aspectos de todos os modelos antigos ainda podem ser defendidos: uma metáfora de máquina funciona muito bem, pelo menos para as proteínas motoras que movem objetos ao redor da célula. E o conceito de organização celular agora faz mais sentido à luz das ideias contemporâneas sobre a auto- organização molecular. O mesmo certamente será verdade para o modelo de vida como uma forma de computação. No entanto, a insistência em uma equivalência simples entre o computador e a célula é claramente inadequada. A velha imagem dos genes como unidades fundamentais de informação traduzidas de maneira linear e única em proteínas que agem como cavalos de batalha moleculares da biologia é demasiado simples. Os genomas não são modelos de um organismo mais do que “livros da vida”. A vida tem uma lógica que ainda temos que discernir, e não parece mapear facilmente em nenhuma tecnologia atualmente conhecida. Por esta razão, permanecemos distantes de qualquer síntese genuinamente inovadora da vida.

Brincando de Deus?
Podemos nos surpreender que as primeiras tentativas de fazer “vida sintética” tenham despertado tão pouca controvérsia. Mas foram os insights da biologia moderna – da unidade da vida no nível molecular – que tornaram controverso o “fazer a vida”. Agora, intervir nos processos fundamentais de qualquer coisa viva traz implicações para nós também. Talvez menos obviamente, essas implicações dependem da secularização de nossa visão da vida. Somente quando os seres humanos não são mais seres privilegiados, favorecidos e animados por Deus, a engenharia de todas as coisas vivas parece problemática. A sacralidade da vida humana foi generalizada para uma deificação da natureza precisamente porque nossa era não é mais governada moralmente pela doutrina cristã. Portanto, não é de se surpreender que as acusações de “brincar de Deus” com a biotecnologia provenham menos dos círculos religiosos – não há base teológica para o conceito – do que das seculares.

No entanto, a religião é apenas uma forma de mito – e o mito mais amplo ainda importa. Escrevendo em 1924 sobre a criação “artificial” da vida humana tanto por fertilização in vitro como por hipotética gestação fora do útero, o biólogo J. B. S. Haldane declarou que

O inventor químico ou físico é sempre um Prometheus. Não há grande invenção, do fogo ao voo, que não foi saudado como um insulto a algum deus.

Ele estava certo, mas os cientistas tendem a esquecer o porquê. Eles lamentam a tendência de lançar avanços científicos em termos míticos para que a sombra de Fausto e Frankenstein caia sobre todos os desenvolvimentos na modificação e gênese da vida. Essa frustração é compreensível: a metáfora “Franken” é um jornalismo preguiçoso, um pedaço de sensacionalismo pronto para ser usado para produzir um frisson sedutor (junto com uma justa indignação) nos leitores. Mas uma das funções do mito é dar forma a medos e sonhos que mal podemos articular.

A vida tem uma lógica que ainda temos que discernir e não parece mapear facilmente em nenhuma tecnologia atualmente conhecida. Por esta razão, permanecemos distantes de qualquer síntese genuinamente inovadora da vida.

A biologia sintética parece ir ao coração de uma das mais profundas e antigas dessas imaginações: a criação e o controle da vida através da techné . Esse grande objetivo pode parecer muito longe de fazer uma bactéria que pisca. Mas a biologia sintética tem um potencial que vai muito além: esse campo pode não apenas ser transformador na fabricação de materiais, medicamentos e muito mais, mas poderia reformular nossa concepção do que são organismos vivos, o que eles podem ser e como podemos intervir para moldá-los. Não deveríamos achar surpreendente se tais poderes despertem velhos mitos e associações. Para navegar no debate cultural, precisamos estar cientes da influência histórica de nossos mitos, suas mensagens morais ocultas e os preconceitos e premonições que elas invocam. Nunca houve um Fausto que negociou com o diabo, o monstro de Frankenstein nunca foi criado, o Admirável Mundo Novo nunca chegou – mas a verdadeira razão pela qual ainda estamos invocando essas imagens é que elas ainda se encaixam nas formas de nossos pesadelos.

Texto escrito por Philip Ball.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna ( [email protected] ) do original ‘Man Made: A History of Synthetic Life‘ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Natanna Antunes, Kelly Vargas e Larissa Gomes.

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Guerra Química: Do Campo de Batalha Europeu ao Laboratório Americano

imperial art museum
Oppy Wood, 1917, Evening (1918), do artista britânico John Nash. Nash lutou na guerra de novembro de 1916 a janeiro de 1918.

Durante a Primeira Guerra Mundial, os efeitos do gás venenoso se estenderam muito além do campo de batalha chegando até laboratórios, fábricas e governo.

O observador.
Numa noite de inverno, em 1916, James Robb Church embarcou na balsa Sussex, navegando da Inglaterra para a França. Com a guerra na Europa, a jornada provavelmente era tensa. O navio estava tão cheio que alguns passageiros se amontoavam no convés para a viagem de cinco horas. Dois meses depois, o Sussex seria torpedeado por um submarino alemão, mas naquela noite a viagem pelo canal transcorreu sem problemas.

Os Estados Unidos até então haviam se mantido fora do conflito na Europa, de modo que, para um americano como Church, a guerra continuava distante. Mas naquele inverno ele foi enviado para a França para reunir informações sobre hospitais aliados, rotas de ambulâncias e postos médicos. Church era um cirurgião experiente cujo serviço na guerra hispano-americana lhe rendera uma medalha de honra. O combate na Europa era diferente, no entanto. Ao longo da Frente Ocidental, ele encontrou homens feridos que sofreram não apenas de bombas e balas, mas também de substâncias químicas que queimavam como fogo nos pulmões e na pele.

Church chegou a Paris antes do amanhecer e seu primeiro encontro direto com a guerra aconteceu naquela noite. Ele foi ver um filme e, quando saiu do cinema, a cidade estava encoberta pela proteção da escuridão. Todos pareciam estar esperando para ouvir o apito das bombas alemãs. “Havia multidões de pessoas nas ruas, observando os céus”, escreveu Church mais tarde. “Riscos brancos cruzavam os céus e parecia haver uma atenção extasiada no ar das pessoas sussurrando em francês.”

Sob ordens de seus superiores, Church logo procurou o conflito. Nas trincheiras perto de Verdun, ele chegou a 12 metros do solo ocupado pelos alemães e ouviu explosões nas proximidades. Uma delas caiu num abrigo que ele acabara de deixar, matando o médico francês que o acompanhara. Na maior parte, porém, as colinas da França estavam quietas. “Estava muito quieto, a quietude dos lugares altos acentuada pela tensão de sempre esperar o grito de granadas e a corrida violenta do ataque da infantaria. Parecia domingo: o silêncio do domingo.”

No final de uma trincheira, Church notou um detalhe aparentemente sem importância: uma buzina de automóvel destacada. “Quando isso gritava, era melhor colocar a máscara”, escreveu ele, “pois significava que o gás mortal cinza e verde estava chegando”.

Os gases tóxicos tornaram-se um campo urgente de investigação científica, uma indústria próspera e, na mente de alguns, uma realidade necessária e até humana.

Este foi um pequeno sinal de uma mudança crucial na guerra. A França havia experimentado gases lacrimogêneos primeiro, em pequena escala; mas foi a Alemanha, líder mundial em química, que usou armas químicas com fervor. Tratados internacionais baniram as bombas de gás venenoso em 1899, mas a Alemanha argumentou que os cilindros de gás ainda eram permitidos. De qualquer maneira, uma vez que gases mortais entraram no campo de guerra, bombas de gás foram adotadas por ambos os lados. Um ano depois da Alemanha ter usado gás cloro pela primeira vez, em abril de 1915, em Ypres, as armas químicas haviam se tornado uma parte fundamental do arsenal das Potências Aliadas e Centrais.

Histórias de guerra de gás ainda conseguem chocar e nos surpreender. Se a guerra é um inferno, os ataques químicos da Primeira Guerra Mundial pareceram piores que o inferno. Essas armas raramente matavam – mas penetravam na roupa de um soldado, cobriam seu corpo com bolhas de queimaduras e irritavam e às vezes cegavam seus olhos. Church viu tudo isso em primeira mão.

As armas químicas são lembradas pelo medo e sofrimento que elas traziam para os campos de batalha, mas elas merecem uma reputação tão poderosa por sua transformação da ciência civil. Os Estados Unidos só haviam experimentado armas químicas indiretamente, através dos relatos de homens como Church. No entanto, a milhares de quilômetros da linha de frente, essas armas levaram os americanos a mobilizar um amplo aparato de pesquisa laboratorial, produção industrial e treinamento militar. Os gases tóxicos tornaram-se um campo urgente de investigação científica, uma indústria próspera e, na mente de alguns, uma realidade necessária e até humana. Seu impacto na frente doméstica persiste até hoje.

No início de 1917, Church e outro observador foram enviados de volta a Paris para participar de um curso de francês sobre gases asfixiantes. Seus relatórios descreviam a estrutura de cada “departamento de gás” criado pela França, Alemanha e Grã-Bretanha. “A guerra atual é tão diferente da luta anterior que os princípios diretivos da organização têm que ser absolutamente diferentes”, escreveu o colega de Church, Charles Flandin. “No que diz respeito ao gás, parece-me que a organização deveria ser menos militar que industrial”. Não seria necessário apenas proezas militares, mas também perícia química, médica e comercial.

Quando os Estados Unidos finalmente entraram na guerra, em abril de 1917, os relatórios de Church e Flandin lançaram as bases para o que gradualmente se tornou o Serviço de Guerra Química (CWS, em inglês). De acordo com as recomendações dos dois observadores, a primeira agência colocada no comando não era uma organização militar. A maioria de seus funcionários de alto escalão eram engenheiros e químicos.

O diretor
Em fevereiro de 1917, a entrada dos americanos na guerra parecia inevitável. O presidente Woodrow Wilson enviou um pedido de apoio às agências do governo dos EUA. Este pedido chegou à mesa de Van H. Manning, um homem inventivo e teimoso que dirigiu o relativamente novo Ministério de Minas.

Manning convocou imediatamente uma reunião de sua equipe. No ano anterior, seu departamento havia trabalhado em problemas como a determinação da umidade no coque, a instalação de iluminação elétrica em minas e a prevenção de explosões de pó de carvão. Também organizou operações de resgate após grandes acidentes nas minas. À primeira vista, essas parecem ser as preocupações domésticas de uma agência civil – pouco relevante para uma guerra mundial. No encontro, no entanto, um engenheiro chamado George S. Rice sugeriu que o departamento poderia aproveitar sua experiência com gases tóxicos de minas para combater os gases venenosos lançados contra as tropas aliadas.

De certo modo, as minas eram as trincheiras da frente doméstica. Elas eram apertadas, claustrofóbicas e muitas vezes fatais, causando uma média de 2.000 mortes por ano entre 1900 e 1910. Muitos mineiros morreram não por colapso da estrutura, mas por gases venenosos que saíam do sedimento ou subiam dos incêndios das minas.

De certo modo, as minas eram as trincheiras da frente doméstica. Elas eram apertadas, claustrofóbicas e muitas vezes fatais, causando uma média de 2.000 mortes por ano entre 1900 e 1910.

Manning escreveu ao secretário do interior com sua oferta: o Ministério de Minas poderia ajudar os militares no desenvolvimento de defesas contra gases tóxicos. Por muitos anos, pesquisadores do Ministério de Minas desenvolveram máscaras de gás que filtravam com sucesso o ar tóxico através de carvão ativado poroso, pelo menos por algumas horas. Em uma época em que os mineiros ainda transportavam canários para as minas de carvão, essas máscaras representavam tecnologia avançada. A proposta de Manning foi rapidamente enviada aos líderes militares em Washington.

Dois meses depois, em 2 de abril, o presidente Wilson pediu ao Congresso que declarasse guerra à Alemanha. O Ministério de Minas foi imediatamente encarregado da defesa de gás. O Comitê Nacional de Pesquisa criou um Subcomitê Especial sobre Gases Nocivos para consolidar a perícia militar, médica e química. Essas eram as sementes de uma parceria sem precedentes: vastas áreas da ciência civil estavam sendo mobilizadas a serviço da guerra.

Os acadêmicos
Três dos primeiros recrutas de Manning eram químicos da American Sheet and Tin Plate Company, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e da Universidade Johns Hopkins. Ele enviou cada um para uma parte diferente do país para obter apoio. Em apenas dois meses, o Ministério de Minas obteve ofertas de apoio material e de pesquisa de 118 químicos em 3 corporações, 3 agências governamentais e 21 universidades. Constantemente, eles seriam atraídos para o esforço de guerra.

Como a agência ainda estava procurando espaço no laboratório, os químicos começaram com pesquisas independentes em suas instituições domésticas. Na Universidade de Michigan, os pesquisadores estudaram os efeitos do envenenamento por gás mostarda. A Universidade de Yale construiu um laboratório de toxicologia sob as arquibancadas de seu campo de atletismo. Em outros lugares, cientistas experimentaram o design de máscaras de gás, técnicas de produção em massa e a síntese de novos produtos químicos tóxicos.

Projetos independentes eram difíceis de gerenciar, e a equipe de Manning logo aceitou uma oferta de espaço da American University em Washington, DC, para centralizar a pesquisa. Em junho, o Departamento de Guerra e a Marinha pagaram US$ 175 mil para converter as salas de aula em laboratórios. Os químicos contratados pela agência começaram a chegar antes mesmo do espaço estar completo. Eles começaram seu trabalho cercados pelo barulho de carpinteiros, encanadores e eletricistas.

Tudo isso aconteceu enquanto os militares realizavam duas outras tarefas essenciais. Se as armas químicas não eram familiares para os químicos, elas eram ainda mais desconhecidas para os soldados. O Corpo de Engenheiros anunciava uma nova unidade militar, o Primeiro Regimento de Gás, baseado na Camp American University. Eles procuraram uma coorte inicial de 250 soldados, 30 químicos combatentes e vários recrutas técnicos. “Passou o tempo para qualquer discussão ética quanto à justeza de usar gás e chamas contra o inimigo”, insistiu um anúncio. “O fogo deles deve ser combatido com fogo mais quente.”

As tropas, entretanto, precisariam de uma fonte confiável de armas, máscaras de gás e roupas de proteção. O Departamento de Ordens do Exército começou a contratar empresas para a produção de produtos químicos tóxicos. Na cidade de Long Island, milhões de máscaras de gás foram produzidas, em grande parte por mulheres trabalhadoras. Enquanto isso, em Edgewood, Maryland, a apenas 80 quilômetros da American University, o exército construiu vários edifícios herméticos para encher projéteis com gás. Centralizou as operações ainda mais com um aglomerado de unidades massivas que sintetizavam gases tóxicos, do cloro e fosgênio ao infame gás mostarda.

Washington era agora o centro dos esforços americanos de guerra química, e o Ministério de Minas era a principal organização civil na pesquisa de gás venenoso. Décadas antes do conceito de meados do século XX do “complexo industrial-militar” e um quarto de século antes do mais famoso projeto de bomba nuclear, o financiamento federal reuniu centenas de cientistas e soldados no campus da American University. No final de 1917, o Departamento de Minas expandido empregava 277 civis. Um ano depois de estabelecer as operações no campus, a folha de pagamento incluiria mais de mil cientistas e técnicos.

Os alemães
Havia uma ironia no exército químico que estava sendo montado nos Estados Unidos. Em quase todas as frentes seguiu os passos dos químicos alemães.

Mesmo antes do início da guerra, os químicos alemães tentavam produzir uma substância militar fundamental: os nitratos sintéticos. Os nitratos eram a matéria-prima de explosivos e fertilizantes, e o suprimento da Alemanha era muito limitado para a guerra a longo prazo. Alguns dos melhores químicos alemães aderiram ao esforço do nitrato, incluindo Fritz Haber.

No começo de 1915, Haber estava liderando a pesquisa de gás venenoso da Alemanha. Da mesma forma que a rede de químicos norte-americanos que se desenvolveu alguns anos depois, o esforço de guerra alemão unificou a química industrial e acadêmica. Haber dirigiu um instituto acadêmico em Berlim, enquanto as fábricas de corantes da Bayer e a Hoechst Color Works ajudaram a mobilizar a indústria alemã de corantes para a guerra química.

Dezenas dos melhores químicos acabaram se juntando ao projeto alemão de gás. Propostas, como o plano de Haber para o uso do gás cloro como arma, foram analisadas por Walther Nernst, químico da Universidade de Berlim, e Carl Duisberg, diretor da Bayer. Quando as propostas foram aprovadas, Haber recrutou uma equipe de cientistas que incluía vários futuros laureados com Nobel. Assim como as fábricas de Edgewood, Maryland, a Bayer produzia produtos químicos tóxicos, inclusive gás mostarda.

As semelhanças entre os projetos de gás alemães e americanos não foram por acaso. Na época, a Alemanha era a líder mundial em química e os Estados Unidos dependiam de mão de obra e máquinas alemãs. Ainda em 1917, o fabricante de instrumentos americano Chester Fisher estava importando equipamentos de laboratório da Baviera – e enviando-os para laboratórios de gás venenoso na França.

O alemão-americano
Os laços entre a química alemã e americana foram ainda mais fortes na esfera industrial. Muitos dos fornecedores farmacêuticos e de corantes pré-guerra dos Estados Unidos eram, na verdade, ramos de corporações alemãs. Os americanos que queriam uma educação competitiva muitas vezes viajavam para universidades alemãs para estudar química, enquanto os químicos alemães que buscavam novas oportunidades vieram para a América. Durante a guerra, no entanto, os Estados Unidos subverteram e aproveitaram os recursos de sua competição alemã.

As táticas americanas ganham vida no estranho caso de William Beckers, que nasceu no Ruhr, o coração da indústria alemã e da produção de carvão. Beckers obteve um doutorado em química, serviu no exército alemão e foi contratado pela Bayer. A empresa o enviou para os Estados Unidos em 1902, quando ele ainda estava na casa dos vinte anos.

Em retrospecto, Beckers parece um homem muito afortunado. Depois de nove anos ele se tornou um cidadão americano. Ele deixou a Bayer e, em 1912, fundou a Becker Aniline and Chemical Company. Quando a guerra começou, as empresas alemãs de repente pareciam suspeitas. Como cidadão dos Estados Unidos, no entanto, Beckers não trabalhava mais para uma empresa alemã.

Em vez de parecer uma ameaça, ele se tornou um ativo. No início de 1916, ele defendeu a proteção tarifária contra produtos químicos alemães perante o Comitê de Meios e Condições da Câmara dos EUA. Essa foi a única maneira, disse ele, que os Estados Unidos poderiam superar sua dependência da Alemanha.

Mais tarde naquele ano, em um discurso para os americanos produtores têxteis, ele alertou seus colegas sobre a força industrial alemã. “As mesmas matérias-primas básicas são usadas tanto na fabricação de explosivos quanto de corantes”, observou ele. Esse fato era bem conhecido entre os químicos da época: as fábricas de corantes na Europa haviam se adaptado rapidamente às necessidades da produção de munições. Mesmo na prática da paz, os químicos comerciais – como os engenheiros de minas do Departamento de Minas – tinham involuntariamente criado instrumentos para a guerra. “Nós, químicos americanos”, continuou Beckers, sem mencionar suas origens alemãs, “não somos tão experientes na fabricação de corantes quanto nossos colegas alemães, que vem fabricando esses produtos no último meio século”.

Seis meses após a declaração da guerra, autoridades americanas suspeitas conquistaram o poder legal de agir contra as empresas alemãs. O Congresso aprovou a Lei do Comércio com o Inimigo, e um homem chamado Mitchell Palmer foi nomeado Guardião da Propriedade Estrangeira. O escritório de Palmer começou a receber milhares de relatórios de propriedades controladas pelo inimigo. Fábricas e empresas de propriedade de cidadãos alemães foram apreendidas pelo governo, junto com milhares de valiosas patentes de produtos químicos. O ex-empregador de Beckers, a filial americana da Bayer, foi preso. Muitos de seus funcionários foram presos em Fort Oglethorpe, na Geórgia, um campo de concentração que hoje é praticamente esquecido.

A Primeira Guerra Mundial ajudou a corroer as vantagens da química alemã. Quando as hostilidades na Europa finalmente terminaram em 1918, os Estados Unidos estavam produzindo quatro vezes mais gás venenoso que a Alemanha. Palmer, talvez reconhecendo que seus poderes em tempo de guerra logo diminuiriam, rapidamente se livrou de propriedades confiscadas no valor de milhões de dólares. A Bayer foi vendida em um leilão público nos degraus da empresa.

Quando as hostilidades na Europa finalmente terminaram em 1918, os Estados Unidos estavam produzindo quatro vezes mais gás venenoso que a Alemanha.

No entanto, mesmo em meio ao fervor anti-alemão, William Beckers se esquivou dos problemas graças a seu alinhamento cuidadoso com o esforço de guerra americano. Em 1917, sua empresa se fundiu com outras quatro, a mais importante das quais também foi fundada por um imigrante alemão. O resultado – a National Aniline and Chemical Company – produziu gás mostarda para a CWS. Beckers se aposentou em Nova York em 1919 e viveu outras três décadas como um homem rico.

As tropas
Soldados do Primeiro Regimento de Gás saíram de Washington no dia de Natal de 1917. Seu navio refez a jornada de inverno de James Robb Church, o observador médico cujos relatórios colocaram tudo isso em movimento dois anos antes.

Já era tarde na guerra quando o regimento chegou às linhas de frente em março. O treinamento apressado deles não lhes dera quase nenhuma experiência no emprego de gás venenoso, mas eles carregavam lançadores de morteiros especialmente projetados para a tarefa. A essa altura, as armas químicas haviam se tornado onipresentes, e milhões de soldados de ambos os lados estavam prontos para usar máscaras de gás no menor prazo possível. Mas como os soldados americanos entraram no final da guerra, eles sofreram um número maior de vítimas de gás – um terço de um total de 200 mil – do que qualquer outro país.

O regimento lutou sua maior batalha em abril de 1918, quando as forças alemãs dispararam cerca de 80.000 bombas de gás mostarda em apenas dois dias. As tropas de gás americanas dispararam, liberando milhares de bombas e frascos de fósforo em apoio a ofensivas de infantaria francesas e britânicas. Apesar de tais números, a quantidade de gás usada nos campos de batalha europeus nunca correspondeu à escala de produção de gás em casa.

Três anos antes, na Segunda Batalha de Ypres, a Alemanha usara o gás mostarda. Mas, apesar dos anos de guerra convencional e de gás, as Potências Centrais e os Aliados ainda estavam lutando pelo mesmo pedaço de terra. Alguns chamaram a ofensiva de abril de Quarta Batalha de Ypres.

O armistício
Enquanto as tropas americanas adotaram armas químicas, os químicos americanos foram adotados nas forças armadas. A produção e a pesquisa de produtos químicos haviam sido intensificadas enormemente e os líderes militares queriam centralizar os diversos esforços do Ministério de Minas. O diretor Manning argumentou que os químicos civis trabalhavam melhor sob o controle civil, mas depois de uma longa batalha administrativa, o presidente Wilson acabou decidindo o contrário. Em junho de 1918, 1.700 químicos americanos foram transferidos para o recém-criado Serviço de Guerra Química do Departamento do Exército. Eles se ofereceram para ajudar os militares, mas acabaram se tornando parte disso.

O fim da guerra veio cinco meses depois, com um gemido em vez de um estrondo. Como disse um capelão do Primeiro Regimento de Gás: “Por muito tempo foi difícil não sentir que estávamos simplesmente passando por uma trégua entre as lutas”.

O futuro da CWS estava em dúvida. O comandante do regimento escreveu aos seus homens: “Se o Serviço de Guerra Química será continuado em paz, ainda não se sabe”. Não importava, ele queria que eles soubessem que o trabalho deles seria lembrado. “Será a estrela-guia para esse trabalho em qualquer guerra futura, caso, infelizmente, nosso país tenha que entrar novamente em uma.”

Alguns cientistas em Washington voltaram para suas universidades e corporações. Outros foram à procura de novos trabalhos. Apenas um pequeno grupo permaneceu a serviço do governo, e eles esperaram para ver se a CWS seria dissolvida. As armas que a CWS gastou anos desenvolvendo eram rotineiramente atacadas na esfera pública como cruéis e antiéticas.

Em 1919, o general encarregado do CWS reuniu um grupo de seus ex-oficiais. Reconhecendo que a sua profissão e talvez a dignidade do trabalho que tinham concluído estava agora em jogo, eles decidiram lançar uma campanha publicitária nacional. “Ao contrário da opinião geral”, observou um importante químico, Charles Herty, durante um discurso, “a guerra de gás não se mostrou desumana”. Todas as armas são, por definição, destrutivas, argumentou ele – mas as propostas para proibir armas ou explosivos nunca são seriamente discutidas. “A Liga das Nações se encontrou. Não concordou que este novo método de guerra deveria ser abolido e, por isso, estamos hoje diante do fato de que esse novo método será desenvolvido, e esse é o significado de nosso Serviço de Guerra Química para esta nação ”.

Embora o sucesso da campanha fosse misto, o CWS nunca foi desfeito – simplesmente adaptado a novas necessidades militares. Armas químicas foram denunciadas e banidas por muitos tratados depois da Primeira Guerra Mundial. Mas a CWS em tempos de paz lançou uma série de projetos estranhos de pesquisa destinados a melhorar sua reputação, muitos dos quais usavam os mesmos produtos químicos tóxicos sintetizados durante a guerra. Pesquisadores tentaram produzir tinta repelente de cracas para as laterais dos navios. O CWS construiu um dispositivo de defesa estranho para os bancos que liberaria gás mostarda quando um cofre era forçado a abrir. Em 1924, a CWS até tentou curar a gripe do presidente Calvin Coolidge, selando-o em uma câmara com baixas doses de gás cloro. “Uma das maneiras pelas quais os estragos da guerra vão ser compensados”, disse o general encarregado da CWS civil, “é fazer uso na paz do conhecimento daqueles compostos venenosos obtidos na guerra”.

Até hoje, dois dos venenos de guerra mais conhecidos – o fosgênio e o gás cloro – são usados ​​na agricultura e nos sistemas de água, respectivamente.

A mais duradoura das contribuições civis da CWS foi o desenvolvimento de novos pesticidas. Na década de 1920, os pesquisadores da CWS testaram a utilidade do gás lacrimogêneo no extermínio de ratos e carunchos. Nas décadas que se seguiram, os pesquisadores da CWS reaproveitaram aviões militares e pulverizadores para pesquisa de pesticidas. Depois que a agência mudou seu nome em 1946 para o Chemical Corps – que continua sendo uma ramificação do Exército dos EUA -, antigos membros da CWS até ajudaram a popularizar o DDT.

Até hoje, dois dos venenos de guerra mais conhecidos – o fosgênio e o gás cloro – são usados ​​na agricultura e nos sistemas de água, respectivamente. Os agricultores prosperaram com os mesmos tipos de produtos químicos que causaram o sofrimento de tantos soldados, e o gás cloro é o desinfetante de água mais usado nos Estados Unidos.

A ciência transforma a guerra e a guerra transforma a ciência. Armas químicas são infames pelo sofrimento que causaram nas linhas de frente da Primeira Guerra Mundial – mas seus efeitos ultrapassaram as trincheiras em laboratórios americanos e fábricas alemãs, e até mesmo em nossas vidas hoje.

Texto escrito por Daniel A. Gross, na Distillation Magazine.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( [email protected] ) do original ‘Chemical Warfare: From the European Battlefield to the American Laboratory’ com a autorização dos detentores dos direitos. Revisado por: Natanna Antunes e Kelly Vargas.

Original (English) content from Science History Institute (https://www.sciencehistory.org/). Content translated with permission, but portuguese text not reviewed by the original author. Please do not distribute beyond this site without permission. [[Conteúdo original (inglês) do Science History Institute (https://www.sciencehistory.org/) . Conteúdo traduzido com permissão, mas o texto em português não foi revisado pelo autor do original. Por favor, não distribua o conteúdo sem permissão.]]

Sugestão de leitura:
O cloro e a Primeira Guerra Mundial

Fios sintéticos

meia de nylon antiga
Uma trabalhadora inspeciona uma meia de nylon em Malmö, na Suécia, em 1954. A introdução de novos tecidos sintéticos após a Segunda Guerra Mundial mudou os guarda-roupas e os estilos de vida das pessoas.[Erik Liljeroth/Nordiska Museet]

As fibras sintéticas não apenas mudaram a indústria da moda; elas mudaram a forma como as mulheres viviam suas vidas.

Em 27 de outubro de 1938, 11 anos de pesquisa envolvendo mais de 230 cientistas e técnicos da DuPont culminaram no anúncio da primeira fibra totalmente artificial do mundo. O braço de publicidade da empresa anunciou que a fibra era derivada de carvão, água e ar. Foi a teoria trazida à vida: uma seda artificial fiada e extraída de cadeias moleculares de comprimento e peso molecular quase infinito. Mal seis meses depois, o nylon, como a fibra passou a ser chamada, ganhou destaque na Feira Mundial de 1939, onde o Wonder World of Chemistry da DuPont apresentou suas últimas inovações para cerca de 1,5 milhão de visitantes.

Em contraste com o rayon semi-sintético, que é feito de fibras vegetais quimicamente modificadas, como o algodão, o nylon possui durabilidade e um suprimento estável de matérias-primas que os químicos podem controlar pela qualidade. A fibra também parecia adequada para uma vasta gama de aplicações do dia-a-dia, de tecidos e colchas a fios, redes de pesca a cerdas de escova. Mas a DuPont escolheu com sucesso as meias como veículo para a estreia mundial do nylon. Enquanto as modelos do Wonder World of Chemistry esticavam e torciam as meias para demonstrar a força e o brilho da nova fibra, nasceu uma sensação na moda.

inspeção de fios de nylon
Um homem agacha-se sob uma máquina de irradiação de fios na fábrica de nylon da DuPont em Seaford, Delaware, ca. Década de 1940 [Fonte: Museu e biblioteca de Hagley]

Em 1949, as caras meias de seda caíram em desuso, e as meias feitas de nylon e um conjunto crescente de fibras sintéticas dominaram o mercado. Esses produtos sintéticos, que posteriormente passaram a incluir acrílico, poliéster e elastano, deram origem a um mercado de moda de massa definida por conjuntos de suéteres e roupas que não precisam serem passadas. No entanto, o surpreendente sucesso do nylon e de suas contrapartes sintéticas obscurece a improvável aliança das indústrias químicas e da moda que apoiaram a revolução da moda do pós-guerra. Essa aliança pavimentou o caminho para que os materiais sintéticos substituíssem e até melhorassem os materiais tradicionais, como seda, algodão e lã, e finalmente se tornassem parte natural da vida moderna.

A Pure Science Division da DuPont, berço do nylon, foi idealizada pelo vice-presidente da empresa, Charles Stine, que no final dos anos 20 convenceu o conselho da DuPont a se afastar da pesquisa com claro potencial de lucro e a alocar US$ 250.000 para pesquisa pura. Tal abordagem não era desconhecida – tanto os laboratórios de pesquisa operados pela General Electric quanto pela Bell Telephone -, mas era raro, assim como a amplitude sugerida por Stine à pesquisa especulativa. Ele cortejou Wallace Carothers e outros químicos a saírem de postos acadêmicos e irem para o laboratório com a oferta de amplo financiamento e pessoal.

Na DuPont, Carothers estava livre para explorar a polêmica teoria de Hermann Staudinger de que os polímeros consistiam de cadeias de moléculas de comprimento quase ilimitado. Depois de testar várias combinações durante o início da década de 1930, Carothers e sua equipe de pesquisa concentraram-se em poliamidas – longas cadeias de carbono, oxigênio, nitrogênio e hidrogênio que podiam ser giradas e desenhadas para produzir fibras elásticas flexíveis.

história do nylon na dupont
Imagens da fábrica de produção de nylon da DuPont em Wilmington, Delaware, 1938 (no sentido horário a partir do canto superior esquerdo). Mike McCall coloca chips de nylon em um funil; os chips serão derretidos, medidos e filtrados antes de serem transformados em filamentos. Um trabalhador não identificado supervisiona a operação de equipamento de tecelagem, que torce fibras de polímero em linhas. Violet Grenda inspeciona meadas de fio de nylon. [Fonte:Joseph X. Coleção Labovsky, Instituto de História da Ciência]

Em 1936, o laboratório de Carothers fiou poliamidas por até 10 minutos, um passo crítico em direção a uma fibra viável. Na medida em que a equipe continuou a desenvolver maquinário e equipamentos para refinar o processo, o grupo de marketing da DuPont começou a explorar aplicações para a nova fibra. Na época, as importações japonesas respondiam por 90% do suprimento de seda crua dos Estados Unidos, três quartos das quais eram usadas ​​para fabricar os mais de 1,5 milhão de pares de meias compradas diariamente pelos americanos. Com a industrialização e a militarização do Japão intensificando tensões políticas de longa data, um substituto interno para a fibra de seda parecia cada vez mais atraente.

A DuPont começou a prototipar meias de nylon em 1938, parte de seu esforço para vender o potencial do nylon aos fabricantes que acabariam produzindo as meias. Para esse fim, a empresa construiu novas máquinas e desenvolveu técnicas de costura especificamente para nylon. Uma dessas inovações foi esticar as meias recém-tricotadas sobre as formas em forma de perna para evitar o encolhimento, pois as meias eram vaporizadas para aquecer e ganhar sua forma e tamanho. Essas meias experimentais, tricotadas em fevereiro de 1939, estrearam pela primeira vez na Exposição Internacional de São Francisco e chamaram a atenção para a Feira Mundial de Nova York no final daquele ano. Logo depois, revistas de moda e pesquisas com consumidores documentaram um entusiasmo generalizado pela firmeza, força e ajuste suave e sem rugas, e o nylon rapidamente se tornou um nome familiar. Na primeira venda pública de meias de nylon em 24 de outubro de 1939, em Wilmington, Delaware, o fornecimento de 4.000 pares esgotou em apenas três horas. A demanda só aumentou depois que as meias de nylon se tornaram disponíveis em todo o país em maio de 1940. Mas em 11 de fevereiro de 1942, as meias de nylon desapareceram do mercado, pois a DuPont direcionava toda a produção de nylon para as necessidades militares, como pára-quedas.

Em 1945, após o término da Segunda Guerra Mundial, a DuPont voltou seu foco para clientes civis, prevendo produção suficiente de nylon para tricotar 360 milhões de pares de meias por ano. (Atrasos técnicos prejudicaram a produção em volume, limitando o número de meias a chegar ao mercado em 1946.) A atenção renovada da DuPont às aplicações de consumo levou à criação de uma verdadeira família de fibras, incluindo poliéster (1946), acrílico (1955) e elastano (1958), todas com nomes de marca acessíveis como Dacron (poliéster), Orlon (acrílico) e Lycra (elastano).

modelo promove meias de nylon
Uma foto promocional da DuPont de 1969 da jaqueta Qiana do estilista Louis Féraud. Qiana, um material de nylon sedoso, era responsável pela maior parte do ousado vestuário de discoteca dos anos 70. [Fonte: Museu e biblioteca de Hagley]

Circunstâncias econômicas, sociais e culturais impulsionaram a rápida adoção e aceitação do nylon e o subsequente acolhimento das fibras sintéticas que se seguiram. Para os fabricantes, a escassez de matérias-primas tradicionais impulsionadas pelo boom do pós-guerra aumentou o apelo de alternativas sintéticas derivadas de gás e petróleo abundantes. Para os designers de moda, a durabilidade, a lavabilidade e a facilidade de cuidar do nylon e de outras fibras artificiais abriram possibilidades criativas que, em última análise, significaram mais roupas e acessórios para a indústria do vestuário fabricar e vender. E para os consumidores, as características únicas do nylon e de outros produtos sintéticos levaram muitos a adotarem essas fibras não apenas como substitutos artificiais das substâncias naturais, mas também como novos materiais.

Durante os anos 50, os tecidos sintéticos ajudaram a satisfazer o apetite do público por novas opções de roupas, após anos de depressão econômica e guerra. Esses materiais foram transformados em meias e anáguas, vestidos de noiva, camisas sociais e calças de esqui. As mulheres eram o principal mercado para essas roupas, que geralmente apresentavam novos detalhes de design, como vincos permanentes, pregas ajustadas pelo calor, resistência a rugas e solidez da cor. Essas roupas trouxeram uma tendência de guarda-roupas e roupas de banho, valorizadas por sua facilidade e conveniência. Tais características de desempenho atraíram especialmente as mulheres mais jovens que, em pesquisas de opinião da DuPont, lamentaram o trabalho diário de engomar e adotaram um estilo de vida mais despreocupado e moderno. Não é por acaso que, entre 1950 e 1956, as vendas de máquinas de lavar nos Estados Unidos mais do que triplicaram. Tais qualidades poupadoras de mão de obra estimularam ainda mais a aceitação pelos consumidores das fibras sintéticas e da própria química, que forneciam cada vez mais o que a natureza não podia.

Uma vez que os fabricantes e consumidores adotaram os sintéticos, não havia como voltar atrás. A revolução que começou com o nylon deu origem a novas silhuetas, texturas e cores impossíveis de criar com fibras naturais e continuou a moldar os gostos dos consumidores nas próximas décadas.

Texto escrito por Hillary S. Kativa, coradora da coleção de fotografias e vídeos do ‘Science History Institute’.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( [email protected] ) do texto ‘Synthetic Threads’ originalmente publicado na revista Distillation Magazine. A tradução foi gentilmente autorizada pelos detentores dos direitos. Revisão feita por: Larissa Gomes e Kelly Vargas.

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Obtendo benzaldeído do óleo de amêndoas amargas

procedimento com funil de separção
O canal NileRed mostra no vídeo abaixo como é fácil se obter o benzaldeído partindo de óleo de amêndoas amargas.
estrutura do benzaldeído

O benzaldeído tende a reagir facilmente com o oxigênio no ar resultando em ácido benzóico, portanto mantenha o reagente vedado para evitar a degradação. A remoção dos resíduos de ácido benzóico foram feitas com a adição ao benzaldeído de um pouco de bicarbonato de sódio dissolvido em água. Isso faz com que o ácido benzóico forme benzoato de sódio que se dissolve na água.

Os detalhes de quantidade e do procedimento podem ser vistos no vídeo abaixo.

Vídeo com legenda em português. Veja aqui como ativar a exibição.

Tome cuidado ao realizar qualquer compra de reagentes químicos, em algumas situações pode ser ilegal adquirir um reagente para uso não autorizado – principalmente porque o benzaldeído pode ser utilizado como um precursor na síntese de algum composto ilegal.

O procedimento aqui descrito somente deve ser seguido por pessoas com conhecimento técnico adequado e que façam uso de equipamentos de segurança necessários.

Legenda e texto escritos por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( [email protected] ).