A química sustentável

A química verde é uma filosofia que visa reduzir o uso de produtos químicos tóxicos e a produção de resíduos em processos industriais. Ela espalhou sua missão de reduzir o impacto da indústria no meio ambiente em todo o setor industrial, governo e salas de aula.

Filosofia recentemente introduzida na indústria química, a química verde promove o cuidadoso projeto de processos de fabricação de produtos químicos para reduzir o uso de componentes tóxicos e minimizar o desperdício e o uso de energia. As práticas sustentáveis ​​e mais benignas que seguem os princípios da química verde encontraram apoio na indústria e no governo e estão sendo pesquisadas cada vez mais por universidades e agências governamentais em todo o mundo.

Quando o ibuprofeno, o analgésico popular que remedia dores de cabeça, rigidez muscular e febres, foi fabricado pela primeira vez na década de 1960, gerou mais resíduos do que o medicamento. Os químicos faziam ibuprofeno adicionando um excesso de tricloreto de alumínio ao isobutil-benzeno e forçando uma reação de seis etapas com solventes e agentes de separação. Embora o método certamente tenha sintetizado o medicamento, era altamente ineficiente e produzia subprodutos indesejados em cada etapa do processo: uma produção anual de 13,6 milhões de quilogramas de ibuprofeno gerava 20,4 milhões de quilogramas de resíduos, a maioria sendo desperdiçada.

Mas no início dos anos 90, o ibuprofeno sofreu uma transformação. Usando catalisadores em vez de reagentes em excesso para impulsionar as reações, os químicos cortaram pela metade o número de estágios no processo de fabricação do ibuprofeno e eliminaram do processo o tetracloreto de carbono, um solvente tóxico. No novo processo, a economia de átomos – a porcentagem de matérias-primas e reagentes usados ​​na síntese que termina no produto final – oscilava entre 80% e 99%. Esses materiais e reagentes que não acabaram no produto final, como o ácido acético, podem ser recuperados ou reciclados. A reação renovada não só foi boa para os negócios (na medida em que reduziu os custos de limpeza e minimizou o consumo de matérias-primas), foi boa para o meio ambiente.

Mais recentemente, um novo tipo de química – a química verde – está tomando conta da academia, da indústria e do governo.

Não é preciso ir muito longe no passado para encontrar exemplos de produtos químicos e processos químicos que tiveram um impacto negativo na saúde humana e no meio ambiente. Mas, mais recentemente, um novo tipo de química – a química verde – está tomando conta da academia, da indústria e do governo. A química verde repensa o design de processos químicos e oferece benefícios ambientais, reduzindo o desperdício, eliminando tratamentos químicos dispendiosos e reduzindo o uso de energia e recursos. De acordo com a Sociedade Americana de Química [American Chemical Society (ACS)], essa revolução química estimula a criatividade e inventividade dos cientistas, ao mesmo tempo em que aumenta o desempenho e o valor de produtos químicos e materiais.

Inicia na indústria, termina no Nobel
A química verde tornou-se moda apenas nas duas últimas décadas, mas suas origens remontam à indústria dos anos 50. Em 1956, químicos do departamento petroquímico da DuPont em Wilmington, Delaware, descobriram que a passagem de propeno sobre um catalisador de molibdênio sobre alumínio produzia uma mistura de propeno, eteno e 1-buteno. Outros químicos descobriram resultados semelhantes quando combinaram olefinas (alcenos) com outros catalisadores de molibdênio. Os produtos foram o resultado da quebra e reconstrução das ligações duplas nos alcenos. O carbono da ligação dupla de um alceno trocava de lugar com um carbono da ligação dupla do outro alceno. Mas os químicos não tinham um mecanismo para explicar o que estava acontecendo.

Várias teorias foram propostas durante os 15 anos seguintes, mas foi somente em 1971 que Yves Chauvin, do Instituto Francês do Petróleo, juntamente com o estudante Jean-Louis Hérisson, identificou o processo: um metal-carbeno estava desencadeando a reação. Chauvin batizou de dança molecular, na qual um parceiro era expulso por outro. Vinte anos depois, Richard Schrock, do Massachusetts Institute of Technology, descobriu quais metais poderiam ser usados ​​como catalisadores. Um grupo de catalisadores de molibdênio foi particularmente efetivo em rearranjar as ligações duplas dos compostos. Mas estes eram altamente reativos e sensíveis ao oxigênio e à umidade. Eles estavam longe de serem perfeitos. Em 1992, Robert Grubbs, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, descobriu um catalisador de rutênio que era estável ao ar e mais seletivo que os catalisadores de Schrock.

Juntas, essas contribuições dos químicos explicaram e desenvolveram a reação de metátese de olefinas, criando uma nova ferramenta para encurtar a rota até uma molécula desejada e reduzir o número de subprodutos indesejados e muitas vezes perigosos. Sua descoberta abriu novas oportunidades na produção industrial de produtos farmacêuticos, plásticos e outros materiais.

O trabalho também rendeu a Chauvin, Schrock e Grubbs o Prêmio Nobel de Química em 2005. Per Ahlberg, membro da Real Academia Sueca de Ciências e do Comitê Nobel de Química, proclamou durante seu discurso de apresentação: “A metátese também economiza energia e material e é amigável com o meio ambiente. Isso nos leva a um passo em direção a um futuro “mais verde”. A ocasião marcou a primeira vez que a Academia Real Sueca de Ciências reconheceu a química verde – o design de produtos químicos e processos que reduzem ou eliminam o uso e a produção de substâncias perigosas para os seres humanos e o meio ambiente – mas o campo vinha ganhando terreno por mais de uma década.

Incentivando Práticas Verdes
A legislação tem controlado o uso, tratamento e descarte de produtos químicos desde a década de 1960. Essa abordagem regulatória tradicional de “comando e controle” custava bilhões de dólares às empresas e ainda acarretava na liberação de vários bilhões de quilos de resíduos químicos no meio ambiente todos os anos. Isso estava previsto para mudar em 1990, quando o Congresso dos EUA aprovou a Lei de Prevenção da Poluição, que procurava reduzir a poluição em sua fonte.

Um ano antes, Paul Anastas era um jovem químico orgânico sintético da Universidade Brandeis. Ele tinha acabado de obter um PhD em química e tinha uma carreira promissora na pesquisa do câncer diante dele, mas ansiava por algo mais. Em vez de projetar moléculas para combater o câncer e trabalhar como consultor industrial, ele queria desenvolver uma estrutura que impedisse a ocorrência de câncer em primeiro lugar. Isso significava evitar que resíduos perigosos fossem liberados no meio ambiente, redesenhando processos e produtos químicos em nível molecular, de modo que fossem “benignos por design”. Em 1989, Anastas aceitou um cargo no Escritório de Prevenção da Poluição e Substâncias Tóxicas da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA); em 1991, ele cunhou o termo química verde .

Atualmente, cerca de uma dúzia de universidades e faculdades americanas oferecem aulas de química verde.

Mesmo com a Lei de Prevenção da Poluição, havia pouca motivação financeira para a indústria – ou a academia – procurar processos químicos alternativos. A EPA e a National Science Foundation (NSF) lançaram uma série de programas de subsídios na esperança de obter algumas soluções. Em 1991, a EPA lançou um programa de química verde. Uma parte do programa, “Caminhos sintéticos alternativos para a prevenção da poluição”, ofereceu subsídios para projetar e sintetizar produtos químicos que poderiam reduzir a produção de poluentes. Em 1992, a NSF uniu-se ao Conselho para Pesquisa Química, uma organização sem fins lucrativos, para desenvolver o programa de pesquisa “Síntese e Processamento Químico Ambientalmente Benigno”. Investiu US$ 950.000 em projetos que buscavam desenvolver catalisadores mais seletivos e reações novas ou mais limpas que substituíssem aquelas que exigiam matérias-primas ou solventes tóxicos, e outras que eliminariam partículas de aerossóis.

Foi nessa época que Anastas se encontrou com um químico da Polaroid Corporation chamado John Warner. Warner havia desenvolvido um processo chamado derivatização não-covalente para estabilizar as moléculas em filme instantâneo de múltiplas camadas e evitar que o filme se deteriorasse enquanto estava nas prateleiras das lojas. A química era simples e menos tóxica; satisfez os princípios da química verde que a EPA estava tentando promover. A dupla tornou-se defensora do futuro da química verde, falando sobre o assunto sempre que podia.

Quando Terry Collins, agora diretor do Instituto de Química de Oxidação Verde da Universidade Carnegie Mellon, ouviu pela primeira vez sobre a química verde de Anastas, percebeu que seus interesses de pesquisa estavam alinhados com as iniciativas da EPA. (Desde a década de 1980, Collins procurava catalisadores que pudessem ativar o peróxido de hidrogênio como uma alternativa aos alvejantes à base de cloro, reduzindo ou possivelmente até mesmo eliminando os subprodutos clorados das águas residuais.) Ele percebeu que seus alunos estavam aprendendo as propriedades técnicas dos produtos químicos, mas não estavam aprendendo sobre seus perigos. Como se poderia esperar que a próxima geração de químicos tivesse suas pesquisas futuras guiadas pelos princípios da química verde se não soubessem nada sobre isso? Em 1992, Collins lançou a primeira turma de nível universitário em química verde. Hoje, cerca de uma dúzia de universidades e faculdades americanas oferecem aulas de química verde.

Embora houvesse um crescente apoio institucional e industrial à química verde, Anastas sentiu que havia pouco reconhecimento para aqueles que a abraçaram e não havia financiamento de pesquisa suficiente para encorajar outros a fazê-lo. Enquanto ainda na EPA Anastas pressionou para o desenvolvimento de um programa de premiação que homenagearia empresas e indivíduos que tinham projetado produtos químicos e processos que evitavam o desperdício e a poluição.

Os Prêmios Presidenciais do Desafio da Química Verde foram anunciados em 1995, surgindo da “Iniciativa de Reinventar a Regulamentação Ambiental” do governo Clinton. Para os primeiros prêmios em 1991, os jurados selecionaram cinco projetos que exemplificaram a inovação científica, a aplicabilidade industrial e a segurança ambiental e de saúde. Entre eles estava um novo agente anti-incrustante marinho desenvolvido pela Rohm and Haas: controlava o crescimento de plantas e animais nos cascos dos navios sem a toxicidade e a persistência associadas aos agentes anti-incrustantes convencionais. O composto, 4,5-dicloro-2-n-octil-4-isotiazolin-3-ona, degradou-se rapidamente em água do mar e sedimentos e não se bioacumulou em organismos marinhos. (A empresa ganhou o prêmio novamente em 1998 por desenvolver um pesticida menos tóxico para controlar as pragas de lagartas em lavouras e em gramados, como os que são mantidos em campos de golfe.)

Ano após ano, a química verde continuou a influenciar novos projetos e iniciativas. Anastas reuniu um grupo de inovadores verdes na indústria, da academia e dos laboratórios nacionais para fundar o Instituto Química Verde [Green Chemistry Institute (GCI)] em 1997. A organização sem fins lucrativos visava inspirar pesquisas, organizar reuniões e construir parcerias industriais. (Tornou-se parte do ACS em 2001.)

Anastas reuniu um grupo de inovadores verdes na indústria, da academia e dos laboratórios nacionais para fundar o GCI em 1997.

Em 1998, Anastas e Warner se juntaram para publicar Química Verde: Teoria e Prática , uma introdução básica à química verde que delineava os 12 princípios da química verde (ver Tabela) e articulava a necessidade de solventes mais seguros, matérias-primas renováveis ​​e reagentes catalíticos, e destacou a importância de projetar produtos químicos para degradação. Em 2001, sob a liderança de Warner, a Universidade de Massachusetts-Boston (UMB) começou a aceitar estudantes no primeiro programa de doutorado em química verde.

O entusiasmo de Warner se espalhou para a indústria farmacêutica. No final da década de 1990, Buzz Cue, ex-vice-presidente de ciências farmacêuticas dos laboratórios de pesquisa da Pfizer em Groton, Connecticut, foi membro do conselho consultivo científico da UMB. Ele viu um papel para a química verde na indústria farmacêutica, particularmente no nível de fabricação. Em 2005, Cue, Anastas (que desde então se mudou para liderar o Green Chemistry Institute na ACS) e um punhado de empresas farmacêuticas globais, incluindo a Pfizer, formaram a mesa redonda farmacêutica do GCI. O grupo identificou 10 reações que precisavam de alternativas mais ecológicas e se propuseram a financiar até dois projetos em laboratórios de pesquisa acadêmica anualmente. A mesa redonda financiou 3 laboratórios até o momento.

Esforço não desperdiçado
Talvez uma das aplicações mais importantes da química verde seja na concepção e fabricação de produtos farmacêuticos. Em uma proporção de resíduo para produto, a indústria farmacêutica é uma das menos aceitáveis ​​ambientalmente, gerando 25 a 100 quilogramas de resíduos para cada quilograma de ingrediente farmacêutico ativo fabricado. Tanto quanto 80% desse lixo é solvente. Embora os solventes tenham um papel crítico na fabricação de medicamentos, fornecendo um meio de reação e transferindo calor, os maiores volumes são usados ​​para separar compostos indesejados do produto final.

Em uma proporção de resíduo para produto, a indústria farmacêutica é uma das menos aceitáveis ​​ambientalmente, gerando 25 a 100 quilogramas de resíduos para cada quilograma de ingrediente farmacêutico ativo fabricado.

Por que não projetar a reação para reduzir o desperdício em primeiro lugar? Em 2002, a Pfizer ganhou o prêmio Presidential Green Challenge por melhorar o processo de fabricação da sertralina, o ingrediente ativo do antidepressivo Zoloft. Utilizando um catalisador de paládio mais seletivo, o novo processo de fabricação cortou uma sequência de reação de três etapas em uma única reação, com o bônus de eliminar subprodutos indesejáveis. Trocou por etanol relativamente benigno os quatro solventes – cloreto de metileno, tetraidrofurano, tolueno e hexano – e eliminou anualmente 140.000 quilogramas de tetracloreto de titânio, 99.000 quilogramas de hidróxido de sódio a 50%, 149.000 quilogramas de ácido clorídrico a 35% e 440.000 quilogramas de resíduos sólidos de dióxido de titânio. O novo processo gerou menos resíduos, incorporando uma maior proporção das matérias-primas no produto e reduzindo os custos associados ao armazenamento, tratamento e descarte dos resíduos. Cue chamou isso de “benefício duplo-econômico”. A química verde continua a influenciar a indústria farmacêutica, mas continua sendo um desafio conseguir que empresas de pequeno e médio porte e a indústria de genéricos aprendam e apliquem seus princípios.

Outras indústrias também estão tomando conhecimento. Empresas de materiais especiais como a ‘Rohm and Haas’ continuam a substituir os ingredientes tóxicos por alternativas mais ecológicas em tudo, desde mantas de isolamento até na preservação da madeira. As tecnologias médicas, a fabricação de madeira, os produtos de consumo, a impressão, as tintas e o controle de pragas tornaram-se menos perigosos por meio da química verde.

Mesmo assim, o financiamento para estudar química verde e desenvolver química benigna sempre foi, e continua sendo, escasso. Algumas iterações da legislação proposta não foram aprovadas no Senado em 2004 e 2005. No entanto, apesar dos muitos desafios que permanecem, a aprovação em 2007 pela Câmara dos Deputados [americana] de um projeto de lei que alocará quase US$ 200 milhões em três anos para pesquisa e desenvolvimento em química verde certamente é uma boa notícia.

A história da química verde, embora breve, mostra como o otimismo de alguns entusiastas pode ser uma faísca de inspiração na academia e na indústria. A legislação não resolveu o problema dos produtos químicos tóxicos, mas levou a indústria a perceber que há benefícios econômicos em projetar reações mais inteligentes.

Texto escrito por Hannah Hoag.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( [email protected] ) do original ‘The Greening of Chemistry’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas.

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Oseltamivir e aconitina

Oseltamivir
O oseltamivir, comercializado com o nome Tamiflu, é uma medicação antiviral – indicada no tratamento da gripe (Influenzavírus A e B) – que ainda guarda grande polêmica sobre a sua real eficácia. O Tamiflu não é vendido como uma cura, mas como um auxiliar na redução da severidade dos sintomas da gripe. O mecanismo de ação seria pela inibição da neuraminidase do vírus influenza – uma enzima necessária para liberar partículas virais das células infectadas. (Fonte: Chemistry in its Element (podcast)).
Atenção! Somente faça uso deste medicamento com orientação médica.
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Aconitina
informações sobre a química da aconitinaAconitina é um alcaloide muito tóxico produzido por plantas do gênero Aconitum – do qual existem mais de 250 espécies espalhadas pelo mundo. Antigamente era usada como medicamento. Em 1880 Dr. Meyer, prescreveu gotas de aconitina a um menino. Após o tratamento, o menino ficou muito doente, e sua mãe voltou a procurar o médico, culpando o medicamento pela doença da criança. Dr. Meyer ficou tão indignado com alguém que ousou questionar sua prescrição que ele tomou uma dose do frasco do remédio para provar que era perfeitamente seguro. Cinco horas depois o doutor morreu de envenenamento por aconitina. O problema foi que o medicamento tinha sido preparado com uma raiz mais forte de outra espécie de Aconitum. (Fonte: A is for Arsenic The Poisons of Agatha Christi, Kathryn Harkup)
Usos medicinais de extratos da planta são evitados pois a diferença entre a dose terapêutica e a dose mortal é muito tênue.
A presença da aconitina pode ser detectada no sangue por técnicas de análise química/forense.
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Da nanotecnologia à nanociência

As tecnologias que usam objetos nanométricos existem há centenas de anos.

O termo nanotecnologia ganhou popularidade nas décadas de 1970 e 1980, mas as tecnologias que usam objetos pequenos ou “nanodimensionados” existem há séculos. Centenas de anos antes de este termo moderno ser criado, os cientistas usavam as propriedades descritas para fabricar produtos de ponta e explorar o mundo à sua volta. Partículas nanométricas foram recentemente descobertas em artefatos que datam dos séculos XVI e XVII, e a nanociência da era iluminista influenciou a pesquisa avançada e de alta tecnologia da atualidade.

vidro com nanotecnologia
Detalhe de uma imagem europeia do vidro colorido de St. George do início do século XV. (Fonte: Biblioteca de arte de Bridgeman)

Artesãos medievais descobriram, por meio de experimentos alquímicos, que a adição de cloreto de ouro ao vidro derretido resultava em um tom avermelhado e a adição de nitrato de prata tornava o vidro amarelo. A técnica atingiu seu auge durante o século 16 até o século 18 e resultou em alguns dos mais espetaculares vitrais do mundo. Recentemente, os cientistas analisaram vitrais desta época e descobriram que a técnica, possivelmente datada do século X, funcionava devido à nanotecnologia; a análise do vitral revelou que nanopartículas de ouro e prata, atuando como pontos quânticos, refletiam a luz vermelha e amarela, respectivamente.

Do século XII ao século XVIII, os metalúrgicos do Oriente Médio também praticavam uma forma de nanotecnologia. Usando lingotes de aço importados da Índia, os metalúrgicos de Damascena forjaram lâminas mais afiadas e mais duráveis ​​do que as lâminas ocidentais, especialmente as dos cruzados. O processo exato para produzir essas lâminas altamente valorizadas permaneceu um segredo comercial bem guardado, transmitido apenas de professor para aprendiz. Cientistas e historiadores postularam que, à medida que as minas de aço indianas se esgotavam, a mineração se deslocava para outro lugar e, eventualmente, os lingotes não tinham mais a composição específica necessária para produzir aço de Damasco. Como o método não funcionava mais, foi perdido com o passar do tempo. Em 2006, cientistas de materiais, usando microscopia eletrônica de transmissão de alta resolução, encontraram traços de nanotubos de carbono e nanofios presentes nas lâminas de aço de Damasco. Eles teorizaram que esses nanofios, encapsulados pelos nanotubos de carbono, eram responsáveis ​​pela lendária nitidez e durabilidade do aço de Damasco.

No final do século XIX e início do século XX, os industriais usaram o negro de fumo, que desde então tem sido descoberto como um nanomaterial. Na virada do século, os cientistas descobriram que o negro de fumo poderia reforçar a borracha e, assim, melhorar sua resistência, propriedades de tração e resistência a rasgos e abrasão. O negro de fumo também aumentou a dureza da borracha natural vulcanizada. Os fabricantes logo aplicaram essa descoberta comercialmente. Em 1910, a BFGoodrich começou a adicionar cargas de negro de fumo para prolongar a vida útil de seus pneus, e hoje praticamente todos os pneus automotivos são reforçados com negro de fumo. Recentemente, cientistas descobriram que as propriedades de reforço do negro de fumo podem ser atribuídas à interação entre a borracha e o grão das partículas de carbono nanométricas.

Em todos esses casos, os fabricantes não sabiam que estavam usando o que hoje chamamos de nanotecnologia, e os princípios científicos por trás dessas tecnologias não foram totalmente compreendidos até muito mais tarde. No entanto, se olharmos atentamente para a história, há casos em que a teoria científica foi compreendida antes do desenvolvimento da aplicação – um modelo que os atuais nanotecnólogos e cientistas de materiais emulam.

Os cientistas teorizaram que os nanofios, encapsulados por nanotubos de carbono na lâmina, eram responsáveis ​​pela lendária nitidez e durabilidade do aço de Damasco.

Em 1773, Benjamin Franklin escreveu uma carta ao médico e químico inglês William Brownrigg que detalhava suas observações sobre os efeitos do petróleo na água. Em sua carta, Franklin descreve uma viagem no mar na qual ele observou que a água gordurosa jogada pelos cozinheiros do navio tinha um efeito calmante na marola do navio. Franklin soube que o efeito calmante do óleo na água era de conhecimento comum dos marinheiros, mas ninguém entendia realmente como isso funcionava. Depois de chegar à costa em Londres, o intrigado Franklin conduziu um experimento em um dia ventoso em uma lagoa em Clapham Common. Ele depositou uma colher de chá de óleo na beira da lagoa, onde as ondas se formavam e se moviam para o meio. As ondas e o vento espalharam o óleo pelo lago, e mais de um hectare quadrado de água turbulenta foi rapidamente acalmado. Mesmo grandes folhas e galhos na superfície da lagoa foram empurrados para o lado pela fina camada de óleo.

Embora observações similares tenham sido feitas desde Plínio, o Velho, Franklin foi o primeiro a teorizar esse fenômeno usando princípios científicos. Em sua carta a Brownrigg, Franklin propôs que existisse uma repulsa mútua entre a água e as partículas de óleo. A força da repulsão era tão forte que fez com que o óleo se afastasse da água e produzisse um filme quase invisível no topo da água.

Experiências subsequentes de Lord Rayleigh, Irving Langmuir e outros confirmaram que o petróleo, flutuando acima de água mais densa, criou um filme de monocamada de apenas alguns nanômetros de espessura, revolucionando a ciência de superfície e fornecendo a base para tecnologias de revestimento de filmes finos que hoje são onipresentes em nossas vidas cotidianas. Na década de 1920, Langmuir e Katherine Blodgett imergiram um substrato em uma solução, revestindo o substrato com uma película de estearato de bário com exatamente uma molécula de espessura. Agora conhecida como filmes de Langmuir-Blodgett, esta descoberta permite aos cientistas criar e depositar filmes finos extremamente precisos, e é crucial no estudo moderno de ponta sobre monocamadas em engenharia elétrica e ciência de materiais. Depois de mais experimentos, Langmuir e Blodgett descobriram que uma película fina de 44 ou 46 camadas de moléculas pode anular a reflexão da luz no vidro natural. Atualmente, praticamente todas as lentes que exigem reflexos mínimos (lentes de câmeras ou telescópios, por exemplo) são revestidas com filmes finos não reflexivos.

Uma diferença fundamental entre esses exemplos históricos de uso de nanotecnologia está na sequência de eventos. A tecnologia usada para produzir vitrais, aço de Damasco e negro de fumo existia muito antes de a explicação científica ser totalmente compreendida. Mas, no caso das monocamadas de Franklin, Langmuir e Blodgett, a sequência é invertida: o entendimento científico foi alcançado muito antes de qualquer produto de filme fino chegar ao mercado. Atualmente, os nanocientistas estão seguindo o exemplo da monocamada, buscando ativamente a pesquisa em nanociência antes de tentar aproveitar suas descobertas para produzir nanotecnologia.

Alguns esforços estão próximos ou já estão dando frutos. Tecidos produzidos com nanotecnologia já estão no mercado: os tecidos à prova d’água são feitos depositando-se bilhões de nanômetros de fibras em algodão natural. Essas novas fibras, chamadas “nano-bigodes”, aumentam a tensão superficial do tecido, de forma que gotas de líquido não podem penetrar. Na Rice University, em Houston, Jennifer West e seus colegas desenvolveram nanocamadas de sílica-ouro que estão agora em testes clínicos como um tratamento contra o câncer. As nanocamadas se ligam a células cancerígenas; Uma vez conectadas, as nanocamadas podem absorver calor infravermelho suficiente, quando expostas à luz laser, para matar as células.

A indústria também está investindo recursos consideráveis ​​na pesquisa em nanociência. Recentemente, o Advanced Energy Consortium (AEC) começou a financiar um projeto para usar nanopartículas para ajudar na recuperação de petróleo e gás. A AEC, formada por empresas como BP America, Conoco Phillips e Halliburton Energy Services, espera tirar proveito do tamanho diminuto das nanopartículas para criar mapas tridimensionais detalhados da estrutura das formações rochosas porosas. Atualmente, as empresas petrolíferas são capazes de extrair apenas cerca de 40% do petróleo ou do gás encontrado nesses reservatórios, mas esperam que, ao penetrarem nessas “esponjas” geológicas com nanopartículas, possam mapear com mais precisão os reservatórios e extrair mais.

Embora esses exemplos mais recentes abranjam têxteis, medicina e extração de petróleo, todos eles dependem da aplicação prática dos princípios científicos em nanoescala comprovados pela primeira vez em um ambiente de laboratório.

Estamos testemunhando uma transição da “nanotecnologia em direção à nanociência” para o atual movimento da nanociência em direção à nanotecnologia, mas a linha entre as duas não é distinta. No futuro, haverá indubitavelmente mais casos em que um fenômeno ou produto que foi desenvolvido fora de uma estrutura de nanociência será descoberto como dependente da nanotecnologia. Mas atualmente, com tanto entusiasmo público e financiamento sendo direcionado para a pesquisa em nanociência, os programas de pesquisa em nanotecnologia irão gravitar em direção à compreensão da ciência em pequena escala antes de se tornar uma aplicação.

Texto escrito por Chi Chan.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( [email protected] ) do original ‘From Nanotech to Nanoscience’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas.

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Aflatoxina B1 e Ferroceno

Aflatoxina B1
informações sobre as aflatoxinasNão é uma boa ideia comer amendoins mofados, pois podem conter fungos do tipo Aspergillus flavus ou Aspergillus parasiticus que produzem aflatoxinas – uma família de compostos com pelo menos 14 substâncias.
As aflatoxinas estão entre as substâncias mais cancerígenas conhecidas; afetando principalmente o fígado. Em maio de 1960 mais de 100.000 perus morreram na Inglaterra após serem alimentados com uma ração contendo amendoim contaminado com Aspergillus flavus. Ressaltando que não necessariamente todo o ‘mofo’ produz aflatoxinas.
Fica a dúvida: Será que as aflatoxinas são eliminadas durante a torrefação do amendoim?
A literatura [1] mostra que a redução na quantidade de aflatoxinas durante a torrefação não é completa; mostrando reduções entre 30 e 83%.
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Ferroceno
informações químicas sobre o ferrocenoO ferroceno é um clássico na química dos organometálicos. A primeira obtenção do composto ocorreu em 1951, de forma não intencional; e sua estrutura de ‘sanduíche’ foi prevista por análises em infravermelho e RMN e depois confirmada em 1954 por cristalografia de raios X. O ferroceno foi um dos precursores no desenvolvimento de sensores para medidas de quantidades de glicose em amostras de sangue.
O ferroceno é também bastante utilizado em eletroquímica, servindo como uma espécie de padrão para verificação e calibração de sistemas, em especial nos processos de voltametrias cíclicas.
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[1]The fate of mycotoxins during thermal food processing ( https://doi.org/10.1002/jsfa.3491 ).

Um assassino de uma cura

boton
Um bóton (ca. 1900) anunciando o Liquozone, anteriormente Powley’s Liquified [sic] Ozone. Liquozone foi lançado como uma defesa contra doenças relacionadas a germes, mas o produto era uma fraude de uma fraude. Como o jornalista Samuel Hopkins Adams observou em sua série ‘The Great American Fraud’ (1905), de Collier, “o oxigênio líquido não existe acima de uma temperatura de 229 graus abaixo de zero. Uma colher congelaria a língua, os dentes e a garganta de um homem antes que ele tivesse tempo de engolir.”

Por mais de um século, a terapia de ozônio tem sido uma fonte de falsas esperanças e ganhos ilícitos dos desonestos.

Em 1903, Nikola Tesla estava ficando desesperado. O prodigioso inventor havia atraído o multimilionário JP Morgan para investir em energia elétrica sem fio, mas até agora as tentativas de Tesla de criar a tecnologia se mostraram infrutíferas.

Quando Morgan se recusou a continuar apoiando o projeto, Tesla implorou ao banqueiro que reconsiderasse:

Eu nunca tentei, Sr. Morgan, dizer-lhe nem um centésimo do que pode ser prontamente realizado pelo uso de certos princípios que descobri. Se você imaginar que encontrei a pedra dos filósofos, não estará longe da verdade.

A resposta de Morgan foi simples: não.

Tesla, com sua credibilidade manchada por sua iniciativa hesitante, precisava restaurar sua reputação e gerar dinheiro. Ele admitiu isso para Morgan: “É absolutamente imperativo para mim lançar algo comercial sem demora”. Então Tesla se voltou para outra de suas invenções. Em 1896, ele havia patenteado o primeiro gerador portátil de ozônio nos Estados Unidos. Após a rejeição de Morgan, o cientista sem dinheiro registrou a Tesla Ozone Company, lançando seus dispositivos como uma maneira de limpar o ar em interiores.

No final do século XIX, moradores da cidade cada vez mais se preocupavam com a “fumaça do mal”, que era produzida pela queima de vastas quantidades de carvão e que se acredita causar doenças. Durante esse tempo, a poluição – uma palavra previamente reservada por Noah Webster para atos carnais “impuros”, tal como emissões noturnas – passou a significar a sujeira humana do ar e da água. Os urbanos pouco podiam fazer sobre o ar sujo fora de suas casas, mas talvez pudessem respirar mais facilmente dentro de casa.

Na verdade, as máquinas de Tesla encheram os quartos de veneno: o ozônio na atmosfera superior fornece um importante escudo contra a luz ultravioleta do sol, mas produza na sua sala e ele prejudicará você.

Hoje, o FDA [Food and Drug Administration; Administração de Alimentos e Medicamentos, em protuguês] declara que o ozônio é um gás tóxico sem fins terapêuticos conhecidos; geradores de ozônio foram aprovados apenas para esterilizar água e equipamentos. Mesmo assim, mercadores inescrupulosos vendem ozônio como uma cura para o câncer e a AIDS. Uma pesquisa na Internet sobre a “terapia do ozônio” mostra que o uso do ozônio está vivo e bem – em purificadores de ar, em pomadas tópicas e em gás soprado no reto.

Como o ozônio, conhecido por ser tóxico, desenvolveu em algum momento uma reputação de ser saudável?


Antes que os humanos descobrissem o ozônio, eles o sentiram. O cientista germano-suíço Christian Friedrich Schönbein notou um odor distinto depois de passar uma corrente elétrica através da água. Em 1840, ele sugeriu que a eletricidade estava criando uma nova substância, que ele apelidou de ozônio – de ozein , em grego, de “cheirar”. (Schönbein estava certo: quando carregado com eletricidade, o oxigênio forma uma molécula instável de três átomos de oxigênio. Essa molécula, o ozônio, também é produzida quando um raio atinge o ar, criando o mesmo cheiro detectado pelo Schönbein no laboratório.)

Desde o início, o ozônio seduziu a imaginação de profissionais e empresários da área médica. Por um lado, cheira a “limpeza”. Quando as gotículas de água se quebram no ar – como durante uma tempestade com raios – o ozônio é criado junto com um cheiro “fresco” associado à chuva.

O cheiro do ozônio despertou interesse em suas propriedades purificadoras, mesmo quando experimentos revelaram seus efeitos nocivos. Em 1874, o químico James Dewar e um colega relataram que, após a exposição ao ar ozonizado, as rãs se tornavam letárgicas, as aves ofegavam, e o sangue dos coelhos perdia oxigênio. Um entrevistado na Nature , apesar de reconhecer que os experimentos de Dewar revelaram um risco de superexposição, continuou a endossar o uso do ozônio nos hospitais, baseado na crença tradicional de que o raio – e, portanto, o ozônio – purificaria o ar. Além disso, alguns entusiastas do ozônio acreditavam (e ainda acreditam) que a molécula pode fornecer melhor ao corpo o oxigênio necessário porque é composto por três átomos de oxigênio, em vez dos dois habituais.

No entanto, até mesmo o descobridor do ozônio reconheceu seus efeitos nocivos. Schönbein relatou que a inalação de ozônio pode causar dores no peito e dificuldade para respirar. Ratos submetidos a uma atmosfera de ozônio morreram.

terapia falsa com ozônio
A ozonoterapia, como foi descrito pelo pioneiro radiologista armênio-americano Mihran Krikor Kassabian, em Röntgen Rays and Electro-therapeutics (1907). Kassabian escreve que a terapia é de “valor primordial, onde sprays ou vapores medicados não podem alcançar a parte por outros meios”. (Fonte: Instituto de História da Ciência)

No entanto, a aura saudável do ozônio persistiu. Em 1911, um ano após a fundação da Tesla Ozone Company, um artigo no Proceedings of the Royal Society of London B maravilhou-se de que os efeitos saudáveis ​​do ozônio “tenham, por mera interação, se tornado parte integrante da crença comum; e, no entanto, a evidência fisiológica exata em favor de seus bons efeitos tem sido quase totalmente insuficientes.” Os autores descobriram que as únicas consequências claras do ozônio são os danos pulmonares e a morte. No entanto, eles ainda aceitavam no potencial positivo do ozônio, especulando que os efeitos benéficos da molécula funcionavam através do olfato.

Havia um sopro de verdade nas conjeturas que rodeavam o ozônio; sua estrutura de três átomos de oxigênio é instável e, à medida que se decompõe, remove os elétrons das paredes celulares e destrói o DNA da célula. Essa propriedade destrutiva torna o ozônio útil para desinfetar a água e, em alguns casos, ferramentas dentárias e médicas. Mas o caos que o ozônio causa às células bacterianas também se aplica ao tecido humano, tornando-o perigoso para a pele em quantidades suficientes para, digamos, limpar as feridas.

Durante a Primeira Guerra Mundial, enfermeiros e médicos usaram o ozônio exatamente para esse fim. A comunidade médica parecia disposta a tentar uma série de métodos de desinfecção para tratar o crescente número de soldados feridos que enchiam hospitais. Médicos do Hospital Militar da Rainha Alexandra, em Londres, usaram o ozônio para tratar feridas e abcessos, aplicando o gás diretamente a ferimentos por até 15 minutos ou até que a carne estivesse “brilhante”.

O Departamento Médico do Exército dos EUA incluiu o ozônio como um “método principal” para desinfetar feridas de guerra em sua história cirúrgica da Primeira Guerra Mundial, e pelo menos um manual de enfermagem da época referia-se a um método alemão de limpeza com ozônio da carne ferida. Mas uma revisão das técnicas cirúrgicas que o Exército dos EUA produziu depois da guerra enfatizou outras técnicas de saneantes, como anti-sépticos com hipoclorito de sódio.

De fato, a irrigação de feridas com anti-sépticos, que se tornaram populares após a Primeira Guerra Mundial, pode ter diminuído a popularidade do ozônio. Os manuais médicos começaram a abordar a terapia do ozônio com ceticismo. Um manual de enfermagem de 1919 refere-se a “falácias populares” sobre o ozônio, sugerindo que seus efeitos benéficos eram menos certos do que seus efeitos venenosos. Na década de 1950, o FDA começou a apreender geradores de ozônio.


Mas os geradores de ozônio nunca desapareceram completamente. E a promessa do ozônio evoluiu para corresponder às reivindicações dos charlatães modernos. Com a infinidade de outros desinfetantes baratos e eficazes no mercado, os vendedores de ozônio estão menos inclinados a enfatizar as qualidades higienizantes de seus produtos. Cura da infertilidade, HIV-AIDS e câncer é o novo campo. Essa metamorfose é tanto resultado do desespero humano quanto do conhecimento de marketing.

Sites que vendem produtos de ozônio quase invariavelmente usam a história para enfatizar sua credibilidade, destacando o envolvimento de Tesla e o uso medicinal do ozônio durante a Primeira Guerra Mundial. Esses sites frequentemente imitam citações acadêmicas incluindo outros links de sites pró-ozônio, criando emaranhados de citações cibernéticas que levam a lugar nenhum.

Os fornecedores equilibram essas tentativas de credibilidade científica com generosas doses de imprecisão. Por exemplo, um site promete “influenciar as membranas celulares e equilibrar os níveis de produtos de peroxidação lipídica”. Essa sequência de palavras pode soar bastante científica, mas é apenas outra maneira de descrever a capacidade do ozônio de infiltrar-se indiscriminadamente nas membranas celulares e matar células – um efeito dificilmente desejável.

O jargão complicado é combinado com a simplicidade sedutora do ozônio – um composto químico do leque do ensino médio. É uma combinação difícil de resistir, já que os compradores são mais atraídos pelo que eles acham que entendem.


Em 2010, a FDA confiscou 77 geradores de ozônio na Califórnia que seriam vendidos como dispositivos médicos por um total aproximado de US$ 80.000. Embora a FDA não colete dados sobre quem compra os dispositivos, evidências sugerem que alguns médicos da medicina alternativa compram geradores de ozônio para suas clínicas, cobrando centenas ou milhares de dólares dos pacientes pela promessa de cura. Nos casos que atraíram a atenção da mídia, os pacientes morreram após receberem terapia com ozônio, em vez de outros tratamentos mais padronizados. Em um caso de 2015, dois médicos homeopatas de Las Vegas supostamente usaram geradores de ozônio para encher uma seringa com solução ozonizada e injetá-la em um paciente, que morreu no processo. Os médicos foram acusados ​​de assassinato em segundo grau e foram condenados a um mínimo de 25 anos de prisão.

Na maioria das vezes, as respostas federais à terapia de ozônio foram silenciadas. A FDA não enviou uma carta de advertência a um fabricante de geradores desde 2012. A Federal Trade Commission (FTC), que tem jurisdição sobre alegações de propaganda enganosa, trouxe sua mais recente ação relacionada ao ozônio em 2000 contra um fabricante de geradores de ozônio sediado no Tennessee. O caso chegou a cerca de US$ 1,5 milhão e impediu o fabricante de fazer futuras alegações sobre a capacidade dos dispositivos de purificar o ar. “É principalmente uma questão de recursos para nós”, disse Richard Cleland, diretor assistente da Divisão de Práticas de Publicidade da FTC. Incapaz de perseguir todas as alegações falsas de publicidade feitas, a FTC tem que avaliar os riscos de saúde e monetários apresentados por um anúncio antes de prosseguir com um caso. Cleland acredita que os anúncios de ozônio estão visando um público relativamente pequeno de entusiastas da homeopatia. “Não tenho certeza de quanto as vendas são para essas empresas”, diz ele. Em suma, o FTC tem mais o que fazer.

Tesla, embora não seja um showman mesquinho, provavelmente ficaria surpreso em saber que os vendedores de ozônio de hoje usam seu breve envolvimento como um fator de legitimidade. Quando se trata de seus geradores de ozônio, Tesla parecia estar livre de ilusões de grandeza. O ozônio não é mencionado em sua autobiografia My Inventions .

Tesla disse a Morgan que ele criaria uma pedra filosofal de sua tecnologia sem fio – uma fonte infinita de riqueza. Mas ele pode ter subestimado o ozônio. Tornou-se seu próprio tipo de pedra filosofal. Através de grandes promessas e mística química, a terapia de ozônio continua a transmutar uma substância básica em ouro.

Texto escrito por Natalie Jacewicz.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( [email protected] ) do original ‘A Killer of a Cure’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas.

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Scientia Vitis: Decantando a Química do Sabor do Vinho

Através de experimentos e da aplicação de novas tecnologias, cientistas da UC Davis estão trabalhando para determinar a composição molecular de um bom copo de vinho.

Pasteur estuda o vinho
Pasteur estuda as doenças do vinho em 1863. (Fonte: Instituto Pasteur)

A adega da Universidade da Califórnia em Davis (UC Davis) está repleta de filas de barris de madeira e garrafas de vinho antiquadas – algumas datando do final da Lei Seca, quando a indústria de vinhos americana teve de começar do zero. Olhe dentro das garrafas mais novas, no entanto, e você verá e experimentará os resultados de quatro décadas de pesquisas modernas sobre o que faz um ótimo vinho. Continuando uma tradição centenária, pesquisadores do Departamento de Viticultura e Enologia da UC Davis estão investigando a complexa dança entre ciência, arte e natureza que cria sabor e aroma no vinho.

A cabine de degustação
No laboratório de Hildegarde Heymann, as cabines de degustação são iluminadas pelo brilho profundo de uma lâmpada vermelha escura. “Damos vinho às pessoas em copos escuros e mudamos a iluminação da sala para tornar a cor das amostras mais difícil de discernir”, diz o professor de enologia da UC Davis. “Queremos que eles se concentrem no que provam e cheiram, não no que veem.” Um especialista de renome mundial na base molecular do aroma, Heymann diz que o sabor do vinho é uma experiência subjetiva e nebulosa que resulta de interações complexas entre muitas classes de compostos diferentes. Moléculas se misturam e coalescem, assim como as notas persistentes de framboesa e amora que permanecem no palato após a amostragem de um característico Shiraz jovem.

“A química que separa um merlot de um pinot noir é quase impossível de identificar”.

Ácidos, açúcares e taninos são os mais óbvios contribuintes para o sabor do vinho, mas essas três classes de moléculas são acompanhadas por um elenco notavelmente variado de moléculas orgânicas – muitas vezes aromáticas – que, em combinação, podem produzir uma surpreendente variedade de sabores. Em geral, sabores frutados são atribuídos a interações entre ésteres, álcoois e ácidos. Os taninos, ou compostos de fenol, dão ao vinho uma sensação adstringente na boca, e os açúcares determinam a doçura do vinho. No entanto, para tornar as coisas ainda mais complicadas, a interação dessas substâncias químicas parece depender das condições de crescimento e das práticas de fermentação.

“A química que define um merlot para além de um pinot noir é quase impossível de identificar”, diz Heymann. “Podem haver mais de 500 diferentes compostos de sabor únicos para cada variedade.” No entanto, Heymann e seus colegas estão tentando conectar combinações específicas de moléculas com sabores familiares. Como duas pessoas diferentes podem provar duas coisas muito diferentes ao provar a mesma garrafa de vinho, Heymann passa xícaras de casca de maçã e molho de soja por meio de janelas de provadores – definições de sabor que todos podem identificar. Em vez de reagentes químicos e gases nocivos, os armários do laboratório de Heymann contêm garrafas de molho de soja e pacotes de chocolate – todos usados ​​como base para comparação. Essa abordagem permitiu aos cientistas traçar algumas das características mais notáveis ​​do vinho até suas raízes químicas.

Moléculas com um Único Sabor
Um nível abaixo da sala de degustação de Heymann, Roger Boulton, professor de viticultura, conduz experimentos com os sulfetos produzidos durante a fermentação, cercados por um laboratório cheio de espectrômetros, cromatógrafos e outros equipamentos analíticos tradicionais. “Após 2.000 anos de produção de vinho, apenas algumas moléculas foram correlacionadas com um sabor específico”, diz Boulton. Um exemplo em que uma conexão direta foi estabelecida, ele explica, envolve metoxipirazinas, uma família de moléculas que fazem o vinho ter um sabor como o pimentão.

Metaxipirazinas foram inicialmente vistas desempenhar um papel no sabor do vinho em 1975, diz Boulton. São agora entendidas como particularmente importantes nas uvas cabernet. Embora quantidades vestigiais da molécula sejam consideradas aceitáveis, o excesso pode sobrecarregar o vinho, produzindo um forte sabor vegetal. Heymann e seus colegas mostraram que a molécula se quebra sob a luz, e os viticultores agora estão experimentando práticas crescentes que expõem as uvas a mais luz do Sol, na tentativa de minimizar a presença do produto químico. As folhas são retiradas das plantas, que são então comparadas a grupos de controle que crescem com cobertura de folhas. Até agora, os testes de sabor mostraram que o sabor de suco de pimentão pode ser alterado, modificando as condições de cultivo. “As pessoas podem identificar a diferença”, diz Heymann. “A maneira como você cultiva as uvas é absolutamente importante”.

Ainda, de acordo com Boulton, a conexão do gosto a uma molécula em particular é rara. Para mostrar que a metoxipirazina estava envolvida no sabor, primeiro tinha que ser isolada, então um receptor no nariz tinha que ser identificado. Finalmente, os painéis de provadores tinham que demonstrar que os vinhos com níveis mais altos de metoxipirazina tinham um cheiro diferente dos que não tinham. Cientistas em busca de moléculas de sabor no vinho raramente são capazes de passar por todos esses testes.

Um dos problemas mais difíceis na identificação da fonte molecular do sabor é que muitos dos compostos suspeitos têm limiares de detecção surpreendentemente baixos. No caso da metoxipirazina, por exemplo, o sabor é perceptível em 2 partes por trilhão. Como diz Heymann, apenas algumas gotas de metoxipirazina em uma piscina seriam suficientes para fazer você pensar que estava nadando em suco de pimentão. “Todos os sabores com os quais estamos lidando são muito baixos em concentração e, analiticamente, nem sempre sabemos sua identidade”, diz Boulton. “Isto é especialmente verdade com os vinhos tintos.”

Um dos problemas mais difíceis na identificação da fonte molecular do sabor é que muitos dos compostos suspeitos têm limiares de detecção surpreendentemente baixos.

Como muitas das moléculas de sabor no vinho são bastante potentes, o nariz pode detectar quantidades muito pequenas. Infelizmente, o equipamento de química usado no laboratório não é tão sensível quanto o nariz humano.

Apenas um punhado de outras moléculas foi ligado a um sabor distinto. Aldeídos voláteis de cadeia curta, como hexanal, pentanal e nonanal, contribuem para os sabores gramíneo, tipo-noz e laranja-rosa, respectivamente. Os terpenos específicos mostraram conferir ao Riesling seu aroma único. Crê-se que os glicosídeos das uvas cabernet sauvignon e merlot cheiram a figo, tabaco e chocolate, mas os sabores não foram correlacionados com um composto específico. Às vezes uma molécula é associada a um local específico, como é o caso do 3-mercapto-hexan-1-ol, um tiol que produz um rico sabor cítrico nos vinhos Sonya Blanc da Nova Zelândia: “Você pode fazer esse estilo em outros países usando as mesmas uvas ”, explica Heymann,“ mas é muito mais difícil e não tem o mesmo sabor”.

O básico: taninos, ácidos e açúcares
Como as moléculas responsáveis ​​por sabores específicos são elusivas, muitas pesquisas sobre vinhos e sabores se concentraram no papel dos ácidos, taninos e açúcares. Os especialistas há muito aconselham os clientes a considerar os níveis de tanino ao combinar o vinho com os alimentos. Na Pure Food and Wine, um restaurante de alimentos crus na cidade de Nova York, o sommelier Joey Repice busca vinhos orgânicos artesanais com uma estrutura bem equilibrada de taninos para acompanhar os sabores delicados das entradas vegetarianas frescas. “Há muitas sutilezas com a nossa culinária, e vinhos com muita estrutura muscular e tanina melhoram com refeições de carne”, diz Repice. Para pratos de carne, ele recomenda vinhos italianos conhecidos por terem uma boa estrutura de taninos – talvez um Barbaresco.

Os taninos são polímeros de fenóis que se escoam das cascas da uva durante a fermentação. Às vezes eles são pensados ​​para fornecer clareza, mas muitos podem causar uma amargura, às vezes conhecida como o “fator enrugador” [adstringente]. Embora os taninos sempre tenham desempenhado um papel fundamental no vocabulário dos especialistas, os cientistas não estão convencidos de que as moléculas estão relacionadas ao sabor. “O sabor pode ser rastreado até uma molécula interagindo com um receptor de cheiro, e os taninos não fazem isso”, diz Boulton. Em vez disso, os taninos se ligam temporariamente a proteínas genéricas na superfície das células da boca. Eles também mudam a textura e a viscosidade das proteínas na camada de saliva que reveste a língua, tornando-a menos fluida e escorregadia. Embora os taninos sejam lavados com água, há um impacto imediato em toda a boca quando você toma um copo de vinho rico em tanino. Com exceção da catequina e epicatequina – dois taninos que se comportam como moléculas de sabor – os fenóis geralmente não têm como alvo um receptor específico. A sensação seca de pungência da boca, associada a taninos – às vezes comparada à romã ou à polpa de limão – está mais relacionada a uma sensação adstringente do que a um sabor amargo.

Similarmente, acredita-se que os ácidos contribuam para a acidez, mas seu papel na criação de sabor permanece discutível. “Quando você muda a acidez de um vinho, a aspereza muda com frequência”, diz Boulton, “mas também há vinhos ácidos que não são azedos”. Boulton sugere que as moléculas de sabor são provavelmente separadas dos ácidos. Embora ele admita que essa hipótese ainda deva ser testada, é provável que a acidez crie um clima no qual moléculas azedas possam fazer sua mágica, diz ele.

Açúcares influenciam quase todos os aspectos de um vinho.

Como os taninos, os ácidos não adicionam diretamente ao sabor, mas influenciam a sensação do vinho na boca. Assim como os taninos contribuem para a clareza geral de um vinho, os ácidos ajudam a equilibrar a doçura e conferem ao vinho uma sensação mais arredondada. A chave – cientistas e sommeliers concordam – é manter os taninos e os ácidos sob controle. “Embora uma acidez sutil seja importante, ela precisa ser equilibrada”, diz Repice.

Açúcares, por outro lado, influenciam quase todos os aspectos de um vinho. No nível mais básico, a fermentação é o processo pelo qual a levedura converte a glicose e a frutose no suco de uva moído em álcool e dióxido de carbono. Controlar a quantidade de açúcar no vinho tem sido historicamente difícil porque a levedura tem um ciclo metabólico complexo e os níveis de açúcar variam dependendo da maturação da uva. No início do ciclo de crescimento, as bagas se expandem porque as células internas se multiplicam e se dividem. Mas à medida que a fruta amadurece, as células individuais começam a crescer, à medida que a água e o dióxido de carbono são convertidos em glicose, frutose e outros açúcares. Os níveis de glicose começam muito mais altos que a frutose, mas à medida que a uva amadurece, a proporção começa a mudar. Eventualmente, se as uvas puderem amadurecer mais, os níveis de frutose ultrapassarão a glicose e as uvas começarão a se transformar em passas.

Embora uvas em passa seja geralmente um mau sinal para os vinicultores, o Sauternes, da França, Trockenbeerenauslesen, da Alemanha, e alguns vinhos de mesa de colheita tardia fazem uso do murchado para atingir níveis de açúcar tão altos que os vinhos permaneçam doces mesmo após a fermentação. Mais tipicamente, porém, o excesso de açúcar faz com que o vinho tenha gosto de doces podres, dominando os sabores sutis que lhe conferem caráter e corpo.

Fermentação e Controle de Tanino
Enólogos têm mexido com sabor de vinho por milênios, variando as variedades de uvas, condições de cultivo e processos de fermentação, mas as práticas modernas associadas com as ciências da viticultura e enologia datam apenas no final do século XIX. Por volta de 1860, o fisiologista francês Louis Pasteur estabeleceu firmemente que a fermentação alcoólica é causada pela levedura. A constatação de que a fermentação era um processo biológico que poderia ser controlado e então produzir resultados previsíveis abriu uma maneira inteiramente nova de pensar sobre a produção de cerveja e a produção de vinho.

Desde então, os cientistas da fermentação fizeram contribuições profundas para uma ampla gama de outras disciplinas científicas. Muitos dos primeiros estudos que surgiram para as áreas de biologia molecular e bioquímica se basearam na levedura como um organismo modelo, e muitos foram motivados por questões sobre a fermentação do vinho, diz Boulton. De testes de cruzamento que testam teorias genéticas para experimentos de sinalização celular, a levedura de cerveja simples (Saccharomyces cerevisiae) continua sendo um dos organismos mais comumente usados ​​no campo da biologia molecular.

A constatação de que a fermentação era um processo biológico que poderia ser controlado e produzir resultados previsíveis abriu uma maneira inteiramente nova de pensar sobre a produção de cerveja e a produção de vinho.

Um importante cientista pioneiro foi Eugene Hilgard (1833-1916), que acabaria por fundar o departamento de viticultura na UC Davis. Nascido na Bavária e criado nos Estados Unidos, Hilgard estudou na Alemanha com importantes pensadores químicos como Carl Friedrich Plattner, Johann Joseph Scherer e Robert Bunsen. Ele retornou aos Estados Unidos, onde sua saúde deteriorada motivou uma mudança de carreira: ele se tornou um defensor das ciências financiado pelo Estado, que o levou a trabalhar ao ar livre, especialmente em levantamentos geológicos e agrícolas. Com Hilgard, a UC Davis encontrou um defensor sincero de pesquisas científicas práticas e aplicadas que beneficiariam a crescente indústria de vinhos do estado.

Como a maioria dos produtores de uvas de sua época, Hilgard acreditava que a cor era um marcador do processo de fermentação. Em um experimento engenhoso, mas pouco conhecido, Hilgard usou um estereoscópio – um dispositivo vitoriano popular que cria a ilusão de profundidade em uma fotografia, apresentando uma imagem ligeiramente diferente em cada olho – para acompanhar o processo de envelhecimento do vinho. O estereoscópio de Hilgard foi projetado por Michel Eugène Chevreul, um químico cujo trabalho com corantes e pigmentos influenciou os movimentos impressionistas e neo-impressionistas. Chevreul observou que o olho naturalmente fundia cores de tons ligeiramente diferentes, permitindo que tons contrastantes emprestassem profundidade e intensidade a uma imagem. Enquanto Chevreul usava o estereoscópio para observar distinções entre objetos em uma pintura ou tecido, Hilgard usou-o para estudar a mudança na cor de um vinho durante a fermentação. Manchas de vinho foram aplicadas ao papel em incrementos durante o processo de envelhecimento. “Você pode comparar o papel com um tecido de uma cor conhecida”, explica Boulton. Assim que o suco de uva verde fermentou, ele mudou para rosa, vermelho e, finalmente, para roxo – um processo que havia sido observado por milhares de anos. “[Os experimentos de Hilgard] avisaram as pessoas quando as transições de cores atingiram o pico, e o vinho poderia ser transformado em barris envelhecidos”, acrescenta Boulton. Como trabalho posterior mostraria, os taninos vazam das cascas da uva no início do processo nos barris. Permitir que o suco assente além deste pico pode resultar em muitos taninos, sem cor adicional. Boulton credita Hilgard como “o primeiro a quantificar esse processo”.

Os métodos de Hilgard estão agora sendo automatizados. Em 2001, Boulton e outros colegas da UC Davis lançaram o Projeto Hilgard – uma rede de transdutores de pressão que monitoram a fermentação em barris pelo mundo. “Como apenas uma safra de uvas pode ser cultivada a cada ano, pode levar décadas para uma vinícola coletar dados suficientes para tirar conclusões reais”, diz Boulton, “[mas] com o Projeto Hilgard estamos compilando dados suficientes para análise real ser realizada.” Os dados são disponibilizados para uso público, e Boulton diz que o escopo em breve será expandido para incluir outros métodos de amostragem. Planos estão sendo feitos para instalar colorímetros e outros sensores que podem ser usados ​​para monitorar os níveis de tanino e a concentração de álcool diretamente. Identificar o limiar em que os taninos param de contribuir para a cor, mas continuam a afetar a sensação na boca, é um objetivo futuro.

Estado da arte
O Projeto Hilgard está introduzindo também medidas quantitativas contemporâneas para outros aspectos da produção de vinho. Boulton instalou sensores de transdutor de pressão em três grandes tanques metálicos na vinícola de ensino da UC Davis para demonstrar que os dispositivos podem substituir as observações padrão rudimentares usadas durante a vinificação em larga escala. “Eles nos permitem monitorar o consumo de açúcar que ocorre durante o processo de fermentação e diagnosticar problemas”, explica ele. O dispositivo destina-se a substituir hidrômetros mais tradicionais – dispositivos flutuantes usados ​​para monitorar a densidade de sucos fermentados. Sendo que o líquido exerce uma força de empuxo igual ao peso do volume deslocado, o dispositivo flutua mais alto no fluido denso. O suco geralmente é mais denso antes da fermentação, quando existem mais sólidos dissolvidos. À medida que o processo de fermentação se completa, os açúcares dissolvidos são consumidos e o hidrômetro começa a afundar.

“Temos leituras mais precisas com sensores”, diz Boulton. Como os sensores do transdutor de pressão estão instalados na parte inferior do tanque, eles fornecem uma leitura geral média do peso do suco. As leituras dos hidrômetros, no entanto, são mais locais e, portanto, muitas vezes causam erros de amostragem – especialmente quando os sucos não são bem misturados. Boulton admite que, em uma base barril por barril, as medições detalhadas provavelmente não levam à produção de um vinho de maior qualidade – o produto final provavelmente não será melhor do que o resultado de um processo que usa um hidrômetro. “A ideia é coletar dados que possam ser usados ​​para entender padrões de larga escala na química de fermentação”, diz ele.

O processo de coleta de dados apoiado pelo Projeto Hilgard faz parte de uma longa tendência em direção à automação e computação. Os biossensores estão sendo desenvolvidos em laboratórios de pesquisa para ajudar a medir ésteres e álcoois em nível molecular, e dados de sensoriamento remoto são usados ​​para estudar os impactos das mudanças climáticas nos vinhedos.

Apesar de todos os esforços para métodos de medição sistemáticos, a estrutura do sabor do vinho não se tornou mais lúcida. Novas moléculas são descobertas no vinho a cada ano, mas muito poucas são vistas desempenhar um papel direto no sabor ou aroma. “Cinquenta anos atrás, as pessoas acreditavam que havia uma molécula que tornava Riesling ou Pinot Noir únicos, mas agora percebemos que é infinitamente mais complicado”, diz Heymann. Mesmo que pesquisas futuras correlacionem aspectos centrais do vinho com moléculas de sabor, as interações sinérgicas entre os principais compostos terão que ser analisadas.

Enquanto isso, Boulton e Heymann encorajam as pessoas a tomar a ciência em suas próprias mãos – talvez transformando a sala de estar ou a mesa da cozinha em um laboratório de degustação de vinhos e implementando alguns dos métodos de teste de sabor de Heymann em casa. “Recomendamos que as pessoas formem grupos, provem vinhos e procurem por identificações”, diz Boulton. “Comece com seus vinhos de frutas favoritos e potes de geleias de frutas diferentes. Qualquer coisa que faça as pessoas pensarem sobre o vinho de uma perspectiva analítica ajuda o campo a avançar”.

Texto escrito por Amy Coombs.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( [email protected] ) do original ‘Scientia Vitis: Decanting the Chemistry of Wine Flavor’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas.

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